MARISA, PORTAS E OUTRAS COISAS MAIS >> Sergio Geia

 
 
Era uma manhã fria, sentei-me ao sol. Coloquei os fones de ouvido, abri o aplicativo, demorei alguns segundos para decidir se ouvia o álbum fora da ordem, ou se obedecia à sequência escolhida pela artista. Optei pela segunda alternativa, deixei-me enlevar. 
 
Antigamente comprávamos um vinil, havia uma bela capa, o folheto com a letra das músicas, quem era quem naquela misteriosa organização de sons. Era bom ouvir o disco pela primeira vez, deixar a melodia entrar em seu mundo. Nesse novo álbum de Marisa Monte, “Portas”, pelo menos naquela manhã fria e com sol, não havia nada de matéria, nada em que se pudesse tocar ou pegar. Havia apenas sons, que estavam dentro de um telefone. Mas, se não havia nada em que se pudesse tocar, havia sim um toque, muito suave, que eu recebia de bom grado; era eu sendo tocado por “Portas”. 
 
Ainda dentro desse minicomputador em que se transformou o telefone, foi possível ver a capa do álbum, foi possível descobrir que havia uma obra visual assinada pela artista Marcela Cantuária. Foi possível também confirmar que o mesmo bom gosto presente nas 16 músicas do disco, havia no conceito visual de Marcela. 
 
Uma a uma, as canções simples e ao mesmo tempo sofisticadíssimas, foram me deixando de um jeito que havia muito tempo eu não sentia. Um acerto primoroso na combinação dos instrumentos, na voz deliciosa de Marisa, nas canções tão bem escritas e arranjadas. São parcerias com Marcelo Camelo, Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes, Dadi Carvalho, Pretinho da Serrinha, Pedro Baby, Chico Brown, Nando Reis, Seu Jorge e sua filha, Flor. 
 
Letras que me arrebataram, como “Ninguém nos separa do amor, não nos separa. Ninguém nos prepara pro amor, que nos separa. Eu não tenho medo do amanhã. Nem quero saber, imaginar basta” (Medo do Perigo); ou “São tantas palavras, tantos versos, tantas rimas, tantas melodias a voar. Uma nota certa pra dizer o que se sente. São muitos poetas habitando aqui na gente a suspirar, a sussurrar” (Em Qualquer Tom, por ora, a minha preferida), ou “Eu levo a sério, não brinca assim, não faz assim comigo, sou totalmente seu. Não nego, confesso, gostar de alguém tem sempre algum perigo, sou 100% seu” (Totalmente Seu). 
 
Mas a letra não é uma ilha, e nada supera a experiência de ouvir um álbum tão bem-acabado como “Portas”. Desde aquela manhã no parque, ele não sai do meu som. 
 
A crítica especializada acolheu o novo disco da artista com entusiasmo: “O novo álbum de Marisa Monte abre 'Portas' para o sol entrar” (ISTO É); “Portas, novo álbum de Marisa Monte, propõe cura em tempos turvos” (Folha de São Paulo); “Este é um álbum otimista. E como a gente precisava disso” (UOL); “Marisa Monte constrói déjà-vu de dias melhores em 'Portas', novo álbum” (Papel Pop); “Novo álbum de Marisa Monte, 'Portas', evoca o sol para iluminar dias melhores”. 
 
Essa crônica não é uma resenha sobre o novo álbum da artista, lançado em julho de 2021, nem eu sou um crítico musical, longe disso. É quase uníssono que o álbum de Marisa é solar, e é mesmo, ele me fez e me faz muito bem. Quero passar a vocês essa experiência tão mítica e enriquecedora que é deixar esse sol tomar conta de você; ouça o disco, depois me conte. 
 
Zeca Camargo, em crítica na Folha, disse: “Há meros 26 anos, eu escrevia neste mesmo jornal que queria morar no país onde Marisa Monte cantava. Saindo de um de seus shows da turnê 'Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão', quando o Brasil guardava outras promessas, declarei que queria me mudar para onde morava sua inspiração. Minhas malas estão prontas de novo”. 
 
As minhas também.

Comentários

Zoraya Cesar disse…
Marisa Monte é tudo!!! Já estava com vontade de ouvir, depois de vc, então... Tomara que essa declaração de amor chegue aos ouvidos dela, essa crônica merece.
sergio geia disse…
Zoraya, querida, o disco é uma delícia. Ouça, depois me conte. Marisa é show!

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