O CONCÍLIO - final >> Albir José Inácio da Silva
(Continuação de 28/06/2021 – A reunião no grande salão vermelho durava já quatro dias sem consenso sobre a indicação do novo membro para compor o conselho. Josef, o proponente, defendia seu candidato, mas encontrava resistência)
Animado com o apoio, o médico acrescentou que tinha
vivido seus últimos anos naquele lugar. Era um país difícil, aquela gente tinha
mania de solidariedade, cantava, dançava e insistia em ser feliz, mesmo com
todas as pragas.
O chefe tomou dois comprimidos de enxofre. Estava
com dor de cabeça e aquilo não ia acabar tão cedo.
Calígula ficou ao lado do colega romano. Faltava ao
candidato a determinação de um Nero, um Adolf, não estava no nível dos outros
conselheiros.
Nero externou mais uma preocupação:
- Ele vive cercado de religiosos, falando de Jesus
Cristo e glórias e aleluias. Pode acabar se bandeando para o outro lado. Não é
assim que se trata essa gente. O seu protegido, Josef, devia mandá-los para a
cruz ou para os leões como eu fazia.
- Não há esse risco – tranqüilizou Torquemada. – Olha
os sacerdotes que o cercam. Só querem vender indulgências e relíquias da Terra
Santa. São todos nossos!
Papa Bórgia sempre concordava com o inquisidor:
- É verdade! Ele consegue ótimos resultados com os
religiosos. Pessoas que viviam falando de amor e perdão, agora rangem os
dentes, espumam, aplaudem discursos nazistas e atitudes milicianas. Ele tem
potencial!
Torquemada acrescentou que o candidato é a favor da
tortura e seu ídolo, um torturador.
– Além disso,
ele imita, às gargalhadas, os sufocados pela peste! – argumentos tão
definitivos calaram a todos por algum tempo.
Mas Benito discordava e, pela primeira vez, contrariou
até seus amigos do século XX. Aquele
troglodita só traria vergonha e desmoralização para aquele conselho.
O chefe leu um informe que acabou de chegar à mesa:
- Há suspeitas de que ele tomou vacina escondido. Ou
seja, um covarde.
Adolf enxergava tudo com profundidade:
- Gostaria de lembrar que covardia e mentira são
qualidades, não defeitos, e que os fins justificam os meios.
Calígula queria encerrar:
- Que o lugar dele é aqui, eu não tenho dúvidas. Só
não acho que tenha qualidades para integrar este conselho. Que venha cumprir seu
destino na poça como qualquer um!
Em alegações finais, Josef reafirmou sua tese de
ótimos resultados obtidos na área da saúde. O candidato conseguiu empurrar
remédios ineficazes e retardou quanto pôde a vacina.
- Ele nem devia morrer, podíamos arrebatá-lo num
carro de fogo! – concluiu.
Os conselheiros queriam votar, mas a democracia ainda
não chegou por ali. O Supremo deu o veredicto:
- Nem para o conselho nem para a poça. Pode não ser
um líder, não ter inteligência, nem dignidade, mas é bom de catequese. Quem
consegue seguidores tão fiéis? Vai ficar onde está! Aqui, em nada ajudaria este
Conselho, incompetente que é. Mas lá ele continuará arrastando multidões.
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