PERSEVERANTE >> Carla Dias >>


Há sentido nenhum em se expandir. Está proibido se pavonear em desejo de melhorar o que deve ser piorado, antes de atingir seu requinte de caos, estarrecendo a todos nesse aprendizado reverberante em dolências insofismáveis. 

Depois, sim... só depois do inferno, alívio. A questão é: onde fica o depois? Em qual quando?

Servido: tranco a ser aguentado. Amargura a ser consumida. Dor a ser experimentada por meio de fisgadas de pânico e desespero. Que o fundo do poço funciona como propulsor para se alcançar o auge da alegria, isso é apenas alegoria. A dor que valsa nessa realidade de aprendizado torturante, ela jamais partirá de nós. Não haverá espaço para espasmos de prazer e conforto. Não haverá vazio capaz de ser preenchido com um pouco que seja de contentamento.

Corremos o risco de não ter volta se permitirmos que nos subjuguem em nome de tragédias que não deveríamos mais enfrentar com tal intimidade. Não deveria haver aprendizado a embalar essas afrontas da vida? De quando ela permite que a morte nos fareje, assim, antes do tempo. Porque o conceito de que a morte nunca chega fora de hora é pretexto para que os verdadeiros culpados pelo extermínio de outros se refugiem no conforto do que é impossível de ser controlado.

Há morte que enfiamos goela abaixo da morte. Não há simbolismo que a justifique. Não há sobrenatural que a endosse. Não há divindade que a sustente. Trata-se somente de um devasso descaso, um desrespeito hediondo, uma capacidade audaz de excluir a existência de quem não nos interessa. Quem, por pura falta de talento da realidade em escrever seu roteiro, viu-se debaixo dos pés de quem não vê problema em sapatear sobre sua carne, seu sangue, seus ossos.

Estamos rasos, insípidos, descuidados. Tememos observar mais de perto... observarmo-nos mais de perto, a ponto de nos enxergarmos despidos de nós mesmos, dessa versão agonizante que insistimos em desfilar como se fosse detentora de inquestionável sabedoria.

 Ainda assim, devo confessar, não desisti de mim.

Não desisti de nós.

Imagem © Leonora Carrington

carladias.com

Comentários

branco disse…
muito bom , muito bom, me deu a sensação de dançar, uma dança insana e desesperada, na qual rodopios e rodopios nos fazem perder o chão, nos faz perder a razão finalmente a consciência voltando, para dançar novamente? Formidável !
Carla Dias disse…
Ah, Branco, acho que foi meio isso o que senti ao escrever este texto.
Obrigada pela leitura! Beijo.
Zoraya Cesar disse…
Carla, essa é daquelas suas que é tão boa, mas tão boa que dizer que é perfeita é pouco. Sem palavras. Só admiração.
Albir disse…
Fascinante e assustador: humano!
Carla Dias disse…
Obrigada, Zoraya. Admiração é mútua, viu?

Albir, sim, o humano é fascinante e assustador.

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