O MARTELO DO BEM - Terceira parte >> Albir José Inácio da Silva
(Continuação de 09/09/2019)
Depois subiu três lances de
escada e ultrapassou a porta em que se lia “Proibido a pessoas estranhas”. Saiu
no terraço e foi até a grade. Ouvia o próprio coração batucando, mas não sentia
as pernas. Flutuava.
Arriou a bolsa, subiu no banco de
cimento e escutou o silêncio. Até que foi despertada:
- Não sei o que você está
pensando mocinha, mas preciso te avisar de uma coisa: – a voz de Déti era firme
e pausada – você está apenas no quarto andar e as chances de não morrer e ficar
tetraplégica são muito grandes. E pode ter certeza, a dor física não vai
aliviar a dor da alma.
Margô ficou imóvel por alguns
instantes e sentiu a mão da enfermeira na cintura.
***
A frieza da atendente na
imobiliária não arrefeceu o ânimo das duas mulheres. Quase dançavam ao
atravessar a praça com o sol se infiltrando pelos galhos das árvores, os
passarinhos cantando e o vento
levantando redemoinhos de poeira. Ao lado do coreto, alguns cães comiam e
bebiam o que ali foi deixado pra eles. Não tinham donos, eram de todos.
- Um lugar que trata assim os seus
bichos não pode ser ruim – falou Déti, defensora dos animais e da natureza.
- Não sei como será conosco, mas
de bichos eles gostam! – riu Margô sem muita graça.
Déti pegou-lhe a mão para apontar
um peixe no laguinho de pedras e teve vontade de não soltar, de andar assim
pela praça. Mas não deviam. Ali queriam viver e não levantar bandeiras e
afrontar preconceitos. O mundo já conheciam, agora queriam conhecer a paz. Melhor andar logo para o próximo compromisso,
o Sabugo.
Na farmácia Tibério foi atencioso
e contou detalhes do tratamento. As talas colocadas nas patinhas e a medicação
deram ao Sabugo uma noite tranquila. Levou-as até o cãozinho, que as recebeu
com festa. Isso animou as novas moradoras a cumprimentar as senhoras que tinham
silenciado com a chegada das duas.
- Bom dia! – disseram
sorridentes, mas ninguém respondeu.
Dirigiram-se ao balconista:
- Gostaríamos de ajudar nas
despesas, Seu Tíbério. – disse Déti.
- Pra isso fale ali com a Irmã
Penha. Ela que está resolvendo...
- O povo daqui já se organizou. –
disse Penha, cortante, antes que as duas lhe dirigissem a palavra.
- Mas Dona Penha...
- Irmã Penha, por favor!
- Irmã Penha, é que nós também
somos daqui agora. E como foi o nosso carro... – Margô falava baixo.
- Se precisar de alguma coisa, a
gente avisa. – encerrou a religiosa, virando-se para as amigas como se voltasse
a uma conversa.
Mas logo Penha caminhou até a
porta e ficou observando as duas se afastarem. O que viu foi muito riso, muito
toque e muito rebolado. Nem parecia que tinham atropelado um animalzinho inocente.
Ali havia pecado sem arrependimento. E de pecado Penha sabia tudo.
MARIA
DA PENHA
Não porque tivesse pecado muito, foi
só coisa de adolescente, mas deixou marcas profundas. E fez com que ela se
aprofundasse no assunto. Como já não pecava, especializou-se no pecado alheio.
(Continua em 15 dias)
Comentários