A CASA DE DAVI >> Sandra Modesto
Vitória se aproxima do portão pra sentir o sol na pele.
Um inverno sem chuvas. O verde muito seco.
Na calada da tarde.
Um diálogo inesperado, um menino chega perto.
— Oi, você sabe seu cachorro?
— O Chico? (O vira– latas que de vez em quando fica no jardim)
O garoto continua:
— Ele gosta de mim. Ele brinca comigo, me dá as patinhas e eu faço carinho nele.
— Verdade? Como é seu nome?
— David. Cadê o Chico? Chama ele.
Meio sem graça Vitória disse:
— Davi, o Chico está no quintal. Amanhã vocês brincam, tá?
— Tá. Eu já gosto muito dele.
Davi saiu correndo feliz com a notícia.
Vitória, pra fortalecer a memória, pensou:
“É meu vizinho. Já o vi por aqui”.
No dia seguinte, Chico voltou ao jardim. Pela janela entreaberta da salinha do computador, o cenário tinha Davi e uma menina parecida com ele. Os dois brincavam com o cão pelas grades do portão.
Vitória ri da vida. Quanta sutileza naquela cena.
Decidiu voltar o Chico para o lar do quintal só ao anoitecer. O danado descobriu que podia ter um novo espaço. Olhar pessoas na rua, pular pra cá e pra lá. Corria pelo quintal, se envaidecia no jardim.
Alguns dias se passaram. Vitória quis procurar a casa de "Davi".
Ao lado...
Uma casa simples com cadeiras na varanda. Ela bateu palmas.
Davi apareceu.
— Oi, Davi!
— Oi (bem sorridente com cara de menino levado).
— Quantos anos você tem?
— Seis (Tinha tamanho de uma criança de três).
— Conta uma coisa pra mim, como é que escreve seu nome?
Ele soletrou:
— D-a-v-i-d
Na casa de “Davi”...
Tinha David!
David e não Davi.
Vitória caiu em si. Planejou convidar o garoto e a irmã pra comer pão de queijo na casa dela .
Todos sentados no banco do jardim. Com o Chico e tudo.
David, Davi, apenas uma questão de grafia. De pronúncias. Interlúdio.
“Todo menino é um rei”.
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