O ELETRICISTA - 1a PARTE >> Zoraya Cesar
Nasceu Paulinho, cresceu Paulinho e só não morreu Paulinho porque nossa narrativa termina antes desse inescapável evento. Também porque, tão logo começou a trabalhar, todo mundo passou a chamá-lo de Seu Paulinho. E, para não contrariar a maioria – uma atitude sempre perigosa -, vamos, doravante, também assim chamá-lo.
Contextualizemos os fatos. Prometo que não me demoro. Ou antes, nada prometo, porque histórias e promessas têm o estranho costume de seguirem seus próprios rumos. Mesmo as que têm início, meio e fim.
INÍCIO
O pai de Seu Paulinho era famoso por seu trabalho de pedreiro, irretocável; e por seu caráter, irreprochável: homem das antigas, às direitas, cuja palavra valia ouro. Quietão, na dele, só conversava com os poucos amigos de confiança – aí rolava uma cervejinha, um carteado, um desanuviar das agruras da vida. Seu Paulinho cresceu à sombra desse homem e, dizia minha avó, quem puxa aos seus não degenera. Não sendo, no entanto, filho de chocadeira, o menino tinha uma mãe. Ah, D. Mercedes!
Fofoqueira, autoritária, perdulária, luxenta. Ufa! Mas só havia defeitos nessa mulher? Claro que não. Tinha qualidades sim. Mas poucas, acreditem. E o que interessa à nossa história são suas imperfeições.
Fazia exigências descabidas e não desistia até conseguir o que queria, repetindo a ladainha com sua vozinha irritante de boneca mimada, que continuava a soar, reverberando pelas paredes, como um fantasma barulhento, até quando ela não estava perto. Queria sempre mais dinheiro, vida de princesa, roupas caras. Cuidar da casa, nem pensar. O marido foi levado, sem se dar conta, à exaustão, para satisfazer os caprichos insanos da mulher e não ter de ouvir suas arengas intermináveis.
Doente, o último suspiro do pai ao filho amado foi ‘cuidado com sua mãe’. Quem estava por perto comoveu-se. Que lindo! Você viu? Que exemplo! Antes de morrer o valente pedreiro encarregou o filho de cuidar da mãe! Muitos choraram. Mas Seu Paulinho entendeu perfeitamente o que o pai quis dizer. E, como sempre, guardou suas palavras.
Seu Paulinho nasceu eletricista. Nunca teve medo de levar choques e, ainda moleque, aprendeu a consertar aparelhos e fiação elétrica da casa de familiares e amigos, vizinhos.
O pai escondia dinheiro de D. Mercedes para pagar a dispendiosa escola técnica do menino. Acho que agora é uma boa hora para esclarecer o epíteto respeitoso do nosso amigo: tão sério e trabalhador era (em tudo igual ao pai), que chamá-lo de ‘você’ parecia um desrespeito. Até os mais velhos e os empregadores sentiam-se compelidos a tratá-lo de “Seu”, “Senhor” Paulinho..
MEIO
Seu Paulinho conhecia as manhas da eletricidade como se ela fosse seu próprio sangue. |
O primo nasceu amigo do alheio. E solerte como uma raposa. Roubava as outras crianças e, quando descoberto, falava, com grandes olhos azuis angelicais, o sorriso banguela mais fofo do mundo, que era brincadeira, escondera, apenas, ia devolver depois. E todo mundo acreditava. Como duvidar de uma criança carinhosa e melosa daquelas?
(Se vocês me perguntarem por que desnudo com tanto despudor esse quadro familiar de almas e personalidades, respondo, convicta: são parte indissolúvel e deflagadora dos acontecimentos sobre a Terra. Entendê-las é entender a vida.)
AINDA O MEIO
O tempo passou, como é de sua natureza, sem nos perguntar nada.
E o primo de Seu Paulinho saiu da prisão. (Pau que nasce torto...).
E o primo de Seu Paulinho saiu da prisão. (Pau que nasce torto...).
Roubara a caixa de doações da igreja. E assaltara o armazém onde trabalhava. Foram as más companhias, chorava, copiosamente, a mãe da criatura. Foram as más companhias, repetia, aos berros, para quem quisesse ouvir. E para quem não quisesse também. Pois Seu Paulinho sabia muito bem que a “má companhia” era o primo, não os outros.
Pois, bem, o primo de Seu Paulinho saiu da prisão. A tia e a mãe trouxeram o pobre ‘menino’ de 29 anos pra casa. E começou o inferno.
Continua a 2a e última (prometo...) parte em 4 de outubro
Foto: https://pixnio.com/es/media/detalle-bombilla-de-luz-luminiscencia-cables-de
Foto marcada para reutilização
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Comentários
Anônimo - cuidado com o que deseja...
Ana Luzia - e não é, Menina? Eu mesma tive umas ganas!
branco - somente sua gentileza absurda de enorme pra lembrar de Stanislaw Ponte Preta ao me ler, Lord! Nem sei como agradecer. Agora vou me esforçar ainda mais pra caprichar.
Sandra - poética até nos comentários! só espero não decepcioná-la
Nádia - não me provoque hahahahah
Albir - vc captou a sutileza da coisa...
A todos, muito obrigada mesmo, pela leitura amiga e comentários gentis