O MARTELO DO BEM - Segunda Parte >> Albir José Inácio da Silva


(Continuação de 26/08/2019)  Amanhã iriam às compras e aos trabalhos. Dia de transformar sonho em realidade depois de tanto sofrimento.  Dia de limpar, consertar, cozinhar e enfeitar. Dia de saber como estava o Sabugo.

O dia começou cedo. Havia mais coisas na caminhonete do que parecia. O sol trazia bem-estar e animação, quase saltitavam quando entraram no carro. A imobiliária era a primeira parada.

Ao contrário dos primeiros contatos, em que era toda sorrisos, a atendente portava uma cara desconfiada, uma tensão na sobrancelha. Tinha ficado assim depois que, para o preenchimento do contrato de aluguel, elas informaram que eram só as duas, não tinham maridos ou filhos.

- Quando a cópia de vocês estiver autenticada, eu mando! – disse como se dissesse “não precisam vir aqui”.

Já estavam acostumadas a frieza e hostilidade no Rio de Janeiro. Mas, desse lugar, distante centenas de quilômetros de suas famílias, esperavam alguma tranquilidade e, se não acolhimento, pelo menos respeito. Amizade era querer muito, aceitariam a paz. Paz que quase desconheciam.

Déti, uma loura de nome Valdete, foi renegada pela família tão logo saiu do armário. Foi expulsa de casa e dos negócios. Acharam todos que era culpa da bruxaria em que ela se meteu desde a adolescência e chamava de Wicca.

Sem dinheiro e sem família, Déti abortou a ideia de faculdade e procurou trabalho. Por sorte, era técnica de enfermagem e conseguiu emprego no Hospital Infantil.

E Margô, de nome Margarida, foi mais sofrida ainda porque negra, umbandista, sofreu abusos do padrasto e depois daquele com quem se casou pra escapar do sofrimento. Sua família, que tinha se convertido a uma fé mais excludente, abandonou a jovem à própria sorte.

Agredida e ameaçada pelo marido, Margô fugiu com a filha de quatro anos e escondeu-se num bairro distante. Mas, cuidado leitor, aquilo que pode piorar, costuma piorar. A criança contraiu meningite e foi internada.

Durante três dias recebeu cuidados intensivos. Uma enfermeira em especial acompanhou carinhosamente a menina. Apesar da angústia no peito, Margô admirava a dedicação da moça, sempre tão atenciosa.

Déti, por sua vez, tinha sempre um gesto de conforto para o sofrimento daquela mãe. Quando o médico informou que infelizmente a menina não resistira, Margô não desabou em lágrimas como tantas vezes Déti viu acontecer. Permaneceu sentada, olhar distante, até que todos se afastassem.

Depois subiu três lances de escada e ultrapassou a porta em que se lia “Proibido a pessoas estranhas”. Saiu no terraço e foi até a grade. Ouvia o próprio coração batucando, mas não sentia as pernas. Flutuava.

(Continua em 15 dias)

Comentários

branco disse…
tá ficando bom, tá ficando muito bom. ansiosamente no aguardo, no aguardo de novo !!!!!
Sandra Modesto disse…
Maravilhoso seu texto! Um retrato de vários acontecimentos da realidade. Parabéns!
Marina Silvia disse…
Muito orgulho... é meu Albir.
Luiz Silva disse…
Enquanto aguardo continuação, algumas frases ficam martelando. Ex: "Sua família, que tinha se convertido a uma fé mais excludente".
Zoraya Cesar disse…
Albir, faço um protesto exaltado. Deixar todo mundo no ar por mais 15 dias é demais pra nós que amamos suas fotografias de mundo. Veja bem: às vezes histórias sofridas tb têm final feliz (digo, esperançosa de que seu recorte não seja o de uma página de jornal tipo folhetriste...)
Albir disse…
Obrigado a todos pelos comentários. E pela paciência.

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