#AGROTÓXICOS >> Sergio Geia
Estava numa
livraria procurando coisas interessantes. Já tinha encontrado uma, moça
interessantíssima, morena, pernas longas, grossas, lábios carnudos, cabelos
compridos, grandona, uma deusa que, sentada no sofá, folheava um livro. Percebi
que, vez ou outra, ela se dirigia a um homem chamando-o de “meu bem”, e juntos
trocavam ideias sobre questões relacionadas a agricultura, lavoura, alimentos,
agrotóxicos etc.
Eu estava de
pé, absorto, ao lado da estante, procurando um livro pra comprar. Aliás, eu e Chiara
temos esse hábito: estando em Ubatuba, sempre passamos numa livraria ou sebo pra
comprar alguma coisa pra ler. Eu já tinha terminado o livro do Rubem Fonseca
que trouxera, e queria um novo. Depois de muito olhar, separei outro de contos
do Fonseca, “Calibre 22” (o que eu queria mesmo era “Feliz Ano Novo”, mas não
tinha), e “Lavoura Arcaica”, esse clássico do Raduan Nassar, aquele mesmo que
disse coisas inamistosas num evento do Ministério da Cultura que desgostou profundamente
o então Ministro da Cultura, Roberto Freire. Peguei os dois e me sentei próximo
à morenaça.
“Calibre 22”
traz 29 contos, curtos, superficiais, que retratam assuntos afetos à obra do
autor, como violência, morte, sexo, homofobia, desigualdade social. Dei uma
googlada e achei uma crítica duríssima do Sérgio Rodrigues sobre o livro. Do
Raduan, li o primeiro capítulo, e me senti realmente adentrando num monumento da
nossa literatura contemporânea. Falei pra Chiara sobre Raduan, ela não o conhecia;
disse que “Lavoura Arcaica” é uma das nossas obras-primas.
Enquanto
folheava os dois livros e me decidia se levava os dois ou apenas “Lavoura
Arcaica”, eis que a morena se levantou, dirigindo-se ao seu bem:
“Meu bem,
acho que eu não vou dar meu dinheiro pra esse cara, não!”
O comentário
atravessou a minha leitura; afinal, quem seria “esse cara”? Fiquei curioso. Esperei
que ela se afastasse e peguei da mesinha um livro verde que ela tinha deixado e
que antes folheava: “Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo”, de Nicholas
Vital.
Deu pra
perceber que ela era bem natureba. Na certa, sua alimentação era supersaudável,
produtos orgânicos, dieta à base de alimentos naturais, muita saladinha e
frutas. Óbvio que não iria comprar um livro que a mandava agradecer aos
agrotóxicos pela sua vida. Dei uma folheada, e o deixei na mesinha. Fui até o
caixa, paguei, e trouxe Raduan e Rubem pra casa.
Depois de
alguns dias, me vi pensando no tal livro sobre agrotóxicos. Qualquer pessoa,
por mais ingênua ou ignorante que seja, é capaz de formular o raciocínio de que
um alimento produzido sem agrotóxicos só pode ser mais saudável para a saúde
humana do que um produzido com esses tipos de defensivos, não? Por mais saudável
entenda-se que possua quantidade de nutrientes maior que os alimentos
convencionais; que proporcione ao corpo uma funcionalidade adequada; que
previna doenças etc. Como pode haver um cara defendendo exatamente o contrário?
Instigado por essa curiosidade, resolvi pesquisar.
Nicholas
Vital tem passagens em diversas revistas como Exame e IstoÉ Dinheiro. Venceu o
prêmio Abril de Jornalismo na categoria Economia em 2012 e ficou entre os
finalistas na mesma categoria em 2011. E, como ele mesmo diz, não é médico
toxicologista nem engenheiro agrônomo e, também, como pode parecer num primeiro
momento, não é contra os produtos orgânicos.
E como não
sendo médico toxicologista nem engenheiro agrônomo, pode falar com tanta
propriedade a respeito desse assunto?
Seu livro é
um contraponto ao discurso dos adeptos da linha orgânica, que ele entende como
nicho, uma vez que representa apenas 1% do mercado mundial de alimentos. Não há
alimentação orgânica pra alimentar 7 bilhões de pessoas no mundo, ele diz. E
continua: não há comprovação científica de que o alimento convencional traga
algum prejuízo à saúde humana; tanto o alimento convencional como o alimento
orgânico podem fazer mal se forem mal manejados; se bem manejados, nenhum deles
faz mal; não há comprovação científica de que o alimento orgânico é mais
saudável e saboroso do que o alimento convencional (aliás, os estudos
realizados por instituições sérias, inclusive nos Estados Unidos, demonstram
que esse argumento é mentiroso).
Sua teoria é
embasada em mais de 50 estudos científicos, pesquisas, conversas com
especialistas. Segundo Nicholas, somente vendendo esse tipo de sofisma, digamos,
a indústria dos orgânicos conseguiria convencer alguém a comprar uma alface, ou
um tomate, ou batatas, pagando 3 vezes mais.
Talvez esses
sejam os pilares de sua tese. No livro, o assunto é esmiuçado e certamente vai
render calorosos debates. Os adeptos da alimentação orgânica já estão mostrando
as armas: que nojo esse livro sobre agrotóxicos; que a indústria pegou pesado;
que as mortes são ao longo do tempo; que a pesquisa é superficial etc.
Como eu
estava em Ubatuba, curtindo coisas mais interessantes que mergulhar nesse
debate natureba, preferi Raduan, e sua “Lavoura Arcaica”.
P.S.: Seria
desonesto de minha parte não informar a você que dias depois, não resisti a uma
passadinha na Nobel, da rua Guarani. De forma que, encabeçando a pilha de
livros que tenho aqui pra ler, destaca-se um reluzente e polêmico livro verde.
Lembrei-me da morenaça.
Ilustração:
www.fecesc.org.br
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