BASTA, FABRÍCIO >> Sergio Geia

Com o livro do Fabrício Carpinejar nas mãos, fui pra sala continuar a leitura de “Me ajude a chorar”, minha companhia dos últimos dias. Era um domingo pra lá de quente, a temperatura batia os 36, embora pela sacada entrasse uma brisa refrescante. Já tinha ido tomar café na padaria, ao supermercado, guardado a compra. Liguei o computador pra continuar a revisão de um romance que havia escrito em 2010, mas antes queria ler mais alguma coisa do Fabrício.

Tenho paixão por crônicas cujo protagonismo é exercido por bromélias, pé de feijão, jabuticabeiras e capim; amendoeiras, cajueiros, acácias e afins. O Rubem Braga tem uma crônica deliciosa nessa linha chamada “Um pé de milho”. Normalmente, crônicas desse tipo me arrebatam logo de cara. A sensação é de estar chupando mexerica num banquinho à sombra, de ouvir o marulhar das ondas, o coaxar de sapos, o farfalhar da brisa, de preferência deitado numa rede, de preferência no final de uma tarde outonal, de preferência sob a beleza de um sol poente.

Poeta não é aquele que escreve livros, mas o que lê as pessoas. O Fabrício já me arrebatou aí, com essa frase formidável. Se bem que o título já me fisgara: “Basta uma pitangueira” era tudo o que eu queria. É interessante ver o que acontece com a gente. Você dorme mal por causa do calor, acorda como um zumbi meio desanimado da vida, não sabe nem o que vai fazer de seu domingo, e de repente tudo se transforma graças a uma simples pitangueira.

Eu falo isso porque a pitangueira foi a propulsora de boas sensações e de uma renovação da alma. Está certo que eu já sou meio pré-concebido a gostar de um texto gratuitamente quando são protagonistas operários de macacão laranja e uma simples pitangueira. Mas não é só isso não. A poesia que brota do Fabrício é monumental; parece água nascendo da terra. E você começa a ver coisas que não via, ouvir coisas que não ouvia, sentir coisas que não sentia, a começar pela imagem tão poeticamente narrada dos operários da Prefeitura colhendo pitangas no pé. De repente, um dia cinza e sem graça se transforma num mosaico multicolorido de boas sensações.

Sinto o toque do vento a acarinhar a pele, no mesmo instante que me vem à cabeça a cena da folha de papel bailando no ar, toda oferecida à lente do mais-normal-que-todos Ricky Fitts, interpretado por Wes Bentley, em Beleza Americana. Mais- normal-que-todos é um paradoxo, vai, mas Ricky era o único, e é isso que eu quis dizer, o único que enxergava a verdadeira beleza da vida. Está certo que depois Lester (Kevin Spacey) e Jane (Thora Birch) também tiraram a venda.

A vida não é fácil, amigo. Pra ninguém. Foi um domingo normal o meu. Fui comer no Kanpek do shopping, depois passei nas Americanas em busca de algum CD interessante (comprei mais um da Roberta Sá, que eu adoro). Dei um pulinho nas Casas Bahia, na Kalunga e no Carrefour em busca de um bom circulador de ar (que também comprei); passei na casa de minha ex-mulher à cata de umas bolsas velhas mas que muito me servem e pra dar um beijo na criançada; terminei a noite levando bolo de uma amiga e comendo um x-tudo no Joãozinho e Semaninha. Mas foi um domingo fantástico, tenho de reconhecer, porque dentro de mim, eu estava muito bem. Bastou uma simples pitangueira.      

Comentários

Zoraya disse…
às vezes basta isso mesmo,né Sergio? Beleza de texto, obrigada!

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