A OBRIGAÇÃO DA LUDICIDADE >> Paulo Meireles Barguil


De quando em vez, os ambientes educacionais são invadidos por expressões, as quais são repetidas como palavras de ordem.
 
Quem não as verbaliza queima numa fogueira psicológica. Não importa muito se o que é falado com a boca é confirmado com o corpo. O fundamental, para sobreviver, é ecoar o discurso.
 
Desde o final do século passado, a moda pedagógica, no Brasil, é se declarar construtivista e/ou sociointeracionista. Ninguém quer saber se você leu Piaget e/ou Vygotsky. Basta colocar um rótulo ou mudar algumas coisas para atestar a sua transformação.
 
Há, também, aqueles que, ao perceberem o engodo cometido por muitos, se negam a aceitá-lo e denunciam tais equívocos, mas não se dão ao trabalho de conhecer as contribuições daqueles autores e de tantos outros que ampliaram as suas pesquisas sobre aprendizagem.
 
Os nossos espaços acadêmicos são, de modo geral, compostos de cores e sons tristes, não sendo de estranhar o motivo de muitas das nossas melhores lembranças do tempo estudantil serem no recreio.
 
Sim, precisamos e podemos modificar essa realidade, assim como muitas outras. O caminho sempre começa dentro de nós.
 
Diante dos inúmeros problemas vivenciados em escolas e universidades, de modo especial a falta de interesse discente no currículo, materializado nas práticas docentes, a panaceia atual é promover atividades lúdicas.
 
E lá vamos nós atrás dessa poção mágica que vai dissolver os conflitos!

Parece existir uma crença de que sem alegria e prazer não acontece aprendizagem. Será?
 
Antes de mais nada, é necessário esclarecer que uma atividade pode ser lúdica, divertida para uma pessoa e não o ser para outra. Ou seja, não é a atividade que é lúdica. A qualidade da interação que alguém estabelece é que lhe proporciona satisfação.
 
O que faz algo ser lúdico para uma pessoa? Quando ela está inteira — corpo, afeto, razão e espírito — numa atividade.
 
Você se sente alegre, pleno quando faz algo que deseja e, por isso, mobiliza todo o seu ser.
 
O mundo, contudo, não existe para satisfazer os caprichos apenas de um indivíduo. As pessoas são cada vez mais diferentes. Isso nos conduz à necessidade de aprender a estabelecer relações caracterizadas pela flexibilidade, sinceridade e empatia, de modo a construir situações mais harmônicas e menos conflituosas.

Reconhecer-se Narciso é quebrar o espelho que nos aprisiona na nossa solidão, é permitir olhar para o outro e criar vínculos, entender que o outro não existe apenas para me satisfazer, afinal, eu não sou o centro do mundo...

É aceitar que o outro, também, não precisa ser meu escravo, nem meu algoz. É romper com a crença do tudo ou nada.
 
Aprender é mudar. Há algo que eu não sei — fazer, sentir ou pensar — sendo necessário eu aprender — estabelecer novas conexões — para conseguir.
 
Nessa perspectiva, só é possível alguém aprender quando ela aceita, por motivos variados, que sua configuração atual não lhe é satisfatória e decide modificá-la.
 
No centro da aprendizagem, portanto, há descontentamento, inconformismo. Afinal, quem gosta de limites, independentemente de que lado eles estejam? Existe, também, humildade para admiti-los e determinação para transmutá-los.
 
Para que eu decida sair de onde estou, é necessário eu acreditar em duas coisas: i) a nova situação será mais agradável do que a atual; e ii) eu sou capaz de chegar lá. Ah, eu também preciso dizer: eu quero mudar!

O foco, portanto, não é exterior, mas interior. É imprescindível aceitar que o ponto de partida da transformação está dentro de nós. Quando isso acontece, por incrível que pareça, o mundo do lado de fora, tal qual um espelho, também se altera...
 
Nessa aventura interna, que se parece com a escalada de uma montanha, temos vários tipos de sentimentos e pensamentos: alguns agradáveis e outros desagradáveis. Todos são naturais e precisam ser acolhidos. O importante é não deixar nenhum deles se apossar de você.

A beleza da vida é fruto do que ocorre dentro da pessoa e não do lado de fora. Sem descartar medos, raivas, feridas e inseguranças, como é que a vida pode jorrar?

Existirão momentos, também, em que seu corpo pedirá trégua e outros em que ele estará repleto de energia. Ouça-o e atenda as suas demandas, pois ele é seu companheiro indispensável nessa jornada na Terra.

Acredito, portanto, que podemos aprender rindo ou chorando. Cada um deles tem sua riqueza. Um não substitui o outro. Precisamos de ambos.

Nos momentos de desânimo, lembre-se sempre: tudo passa!

Um detalhe importante: chegar no topo — ou no centro — é um fenômeno raro, por isso a riqueza dessa viagem é desfrutar de cada instante. Caminhe no seu ritmo, olhe a natureza, prove os sabores, respire fundo, ouça os sons, sinta as texturas, descanse... e siga em frente!

Na vida — e na escola — é fundamental que cada um assuma a responsabilidade pela sua epopeia, partilhe os seus aprendizados, avalie as consequências das suas escolhas e se perceba único numa multidão de peregrinos.

Um aprendizado maravilhoso é respeitar o direito de quem não quer olhar para dentro e, por isso, escolhe continuar a sua vida no mesmo lugar íntimo e tentando mudar apenas os cenários exteriores...

Ingrediente necessário nesse percurso é sempre celebrar, louvar, agradecer a vida.

Reconheço: eu investi muito tempo da minha vida nessa faxina, mas agora está na hora de brincar mais!

Obrigado meus amados mestres compositores e cantores: Almir SaterEgo Trip, Engenheiros do HawaiiFernando Brandt e Milton Nascimento, Guilherme ArantesLegião Urbana, Milton Nascimento, Raul Seixas...

Obrigado meus amados mestres espirituais: Buda, Jesus Cristo...

Obrigado meus amados mestres escritores: Antoine de Saint‑Exupéry, Leo Buscaglia, Paulo Freire, Richard Bach, Rubem Alves... (a lista é grande!)

Obrigado meus amados mestres amigos...

Obrigado meus amados mestres terapeutas...

PS: Acredito que estou cada vez mais motivado a ser construtivista, sociointeracionista e lúdico. ;-)

Comentários

maria clara lana disse…
Amei sua crônica, pelo fato dela apresentar sentimentos e comportamentos da sociedade.Por demostrar a realidade vivida nas pelos alunos nas escolas.mostra que os jovens estão desinteressados em relação aos estudos, e fazem a busca de um ensino mais fácil e prático.Descreve que nem tudo gira ao nosso redor, que não devemos olhar para o nosso próprio umbigo e aprender a pensar mais no mundo a nossa volta.Faz uma relação entre o eu e o outro, ou seja, aprender a conviver em harmonia com o outro sem olhar as diferenças, porque afinal de contas somos todos seres vivos e temos que aprender a viver com as diferenças do mundo.Mostra que a vida é bela e temos que aproveitar ao máximo as coisa belas da vida, com muita paz, fraternidade e harmonia. A vida passa por altos e baixos, mas só temos certeza de que tudo na vida passa um dia.

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