À NOSSA! >> André Ferrer
Um
compilador do conhecimento. Trabalhou em Alexandria, na famosa biblioteca que virou
cinzas. Euclides estava no centro do Universo e, afinal, soube tirar proveito. Em
Os Elementos, o mais importante dos seus escritos, reuniu toda a Geometria
conhecida. O livro influenciou diversas culturas ainda na antiguidade. Os árabes,
por exemplo, descobriram a obra em torno do ano 760 d. C.
–
Euclides, então, é uma homenagem ao sábio!
–
Nada consta. Meu pai era fã do Euclides da Cunha.
–
O corno...
–
Maldade sua meu amigo... “Aquilo que pode ser afirmado sem provas também pode
ser negado sem provas.”
Tais
palavras eram de Euclides. O geômetra grego. Não o repórter de O Estado de São Paulo
que cobriu Canudos.
Euclides
bebeu a cerveja do seu copo. Apanhou o cigarro e franziu os olhos quando houve
fumaça.
Ele
repetiu:
–
“Aquilo que pode ser afirmado sem provas também pode ser negado sem provas.”
Euclides de Alexandria.
Prosseguiu:
–
Sempre que leio ou escuto essas palavras do meu xará, penso na angústia daqueles
doutores da Igreja. Agostinho, Tomás de Aquino, enfim, todos desesperados!
Afinal de contas, era preciso arranjar todo um esquema de invenção de provas.
Euclides
– o meu interlocutor – era bipolar.
Terminou
de rir. Eu pedi outra cerveja. Ele voltou à melancolia. O pau quebrava perto de
onde estávamos e o “Clidão” ali, passivo, irreconhecível, excessivamente preocupado
consigo mesmo, ainda que lá dentro ele continuasse enforcando o último padre
nas tripas do último imperador.
–
O que foi agora?
–
O tal exame de fundo de olho diz que o diabetes vai me cegar dentro de pouco
tempo.
–
Tenha fé – provoquei.
O
velho anarquista sequer me xingou. Levantou os olhos para a TV logo acima da
cabeça do dono do botequim.
–
Onde estão agora?
–
Perto. Sabe aquela agência bancária na frente do farol? Então, daqui a pouco,
vamos ter que abaixar as portas. Puta que pariu!
Euclides
ficou em pé. Tremeu. Era flexível e altivo como uma palmeira imperial. Quase disse
isso para o velho, mas, em tempo, descobri o mau gosto. “Clidão” acendeu os grandes
olhos azuis além da catarata e de camadas e mais camadas de pálpebras. Aquelas
rugas bem como as chibatadas com que a polícia moldara aquele ser, imediatamente,
comoveram-me. Sim. Eu sabia. Mas ainda assim perguntei:
–
Aonde vai?
–
Eu preciso ver antes que seja tarde.
Enquanto
Euclides dobrava a esquina, pensei nos doutores da Igreja e na infinidade de
provas que se acumulava desde então.
No
topo dessa montanha de "entulho teológico" está a fé das pessoas. Mas
isso não é o problema. O problema está no desconhecimento da História e da
existência da tal "fábrica de provas".
–
À nossa “Clidão”!
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