O QUE VOCÊ QUER SER QUANDO CRESCER?
>> Carla Dias >>

"Do lugar onde estou já fui embora."
Manoel de Barros


Um amigo está passando por uma fase pela qual, eventualmente, todos nós passamos. Conversando com ele, por meio de mensagens, acho que me empolguei e, durante a insônia da vez, fiquei pensando que talvez seja hora de prestar mais atenção em como me intrometo na vida dos amigos.
Intrometimento intelectual...

Existencial...

Intrometimento.

Fato é que, após lhe escrever uma mensagem sobre como o acho merecedor de cada conquista, de cada oportunidade de ser feliz, de quão talentoso ele é (tudo verdade!), em vez de finalizar a mensagem com o tradicional “beijos”, eu o fiz com uma pergunta que, fora do contexto mais poético que realista, quando feita a um adulto, não cai muito bem:

O que você quer ser quando crescer?

Para um adulto, em busca de seu lugar no mundo, essa pergunta pode soar um tanto ofensiva, como se a pessoa que ele tem sido e as conquistas que vem realizando não tivessem valor, como se a sua fase adulta estivesse embrulhada em buscas infantes.

Apostando no lado poeta do meu amigo, desapeguei-me das explicações. Só que a insônia veio, e ela nos faz pensar nas coisas de uma perspectiva bem diferente da usual.

Então, decidi me explicar com meu amigo como qualquer pessoa faria. Escrevendo uma crônica. Essa crônica.



Meu amigo,

Tenho de lembrá-lo, caso não tenha atentado para o fato, de que sou tia e muito apegada aos meus sobrinhos. Acostumei-me, então, a escutá-los, mais do que escuto a muitos adultos tidos como responsáveis e empreendedores. O que aprendi com eles - já que não me lembro de alguém ter me questionado dessa forma quando eu era criança - é que se há uma pergunta que devemos carregar pela vida, e fazê-la, vez e outra, quando adultos, é essa. “O que você quer ser quando crescer?” é uma das perguntas catárticas que um adulto tem de responder para compreender a importância.

Quando se pergunta a uma criança o que ela quer ser quando crescer, essa criança se apega a um desejo baseado no mais puro prazer que determinada função representa para ela naquele momento. Não há lógica, responsabilidade ou julgamento na forma que ela enxerga o que quer fazer, quem deseja ser quando adulto. Por isso ela garante, com a certeza mais verdadeira, que quando crescer será pedreiro para construir sua própria casa, ou uma professora, também dona de cachorro,  jogador de futebol. Pode até ser que se torne um astronauta, só para poder abraçar uma estrela. Quer ser piloto de carro e de avião e de ônibus, ser dono de fábrica de doce, só para comer todos os doces que quiser, e cobrador de ônibus, personagem de quadrinhos, pianista, gente grande. A variação sobre esse tema é de uma riqueza ímpar e completamente livre do medo de ser quando se trata de uma criança.

Sendo assim, meu amigo, quando lhe perguntei o que queria ser quando crescer, o fiz com o desejo de que você olhasse para si com o desprendimento de uma criança. Que, adulto que é, pudesse pensar em algo que fizesse seu coração bater mais forte, porque poucas coisas podem fazer um adulto feliz como aquela criança descrevendo quem será quando crescer. E que assim a ousadia infante lhe oferecesse a resposta que precisa para se jogar na vida, sem rede de proteção, com todo direito à felicidade.

Ainda hoje, e com mais frequência do que você possa imaginar, eu me faço essa pergunta. Às vezes, me vem à lembrança respostas que recebi das crianças que questionei, incluindo meus sobrinhos. E teve quem desejasse ser inventor de alegrias, uma árvore, o Gasparzinho, motorista de caminhão, bailarina, pipoqueiro...

Hoje em dia, quando me faço essa pergunta, adulta que sou, acesso a ousadia natural de uma criança ao respondê-la. Não há medo, obstáculo, limite que detenha a minha resposta. E então, compreendo que caminho eu devo seguir para voltar a pertencer a mim mesma. Para retomar quem sou com todas as possibilidades de ser.

Desarranjar as certezas.

Correr o risco à risca.

Então, meu amigo, o que eu quis perguntar, traduzindo para a linguagem adulta, é o que faz seu coração bater mais rápido, o que faz sorrir ao pensar a respeito?

E se alcançar a resposta, seja...

Beijos,
Carla.

Imagem: sxc.hu

carladias.com

Comentários

albir disse…
Carla,
seu amigo agora, além de ouvido e acarinhado, está homenageado. E, com sua licença, também vou me perguntar: o que eu vou ser quando crescer?
Carla, você reacendeu em mim a vontade de ser pipoqueiro e dono de banca de revistas. :) Linda crônica!
Ana González disse…
Que bom vc ter feito essa pergunta para mim, Carla!!!Lindo texto. Bjss
Zoraya disse…
E não à toa é das crianças o Reino dos Céus, porque lá a felicidade nao depende da realidade.
Responder como criança a essa pergunta é o que nós devíamos aprender na escola.
Carla Dias disse…
Albir... Você vai ser. Quer coisa mais bonita que simplesmente ser? Beijo.

Eduardo... Já pensou que dá pra ser ambos de uma vez só? Nada mais interessante que uma banca de revistas com uma bela máquina de pipoca dentro dela. Beijo.

Ana... Mas e a sua resposta? Beijo.

Zoraya... Há muito que deveríamos responder como crianças. A lógica delas é a mais pura e certeira, quase na mesma intensidade da imaginação. Beijo.

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