SEMO 3 >> Zoraya Cesar

O encontro prometia. Também, há dois longos anos sem namorar (no sentido bíblico, inclusive), sem conhecer um qualquer que fosse, nem para um café. Nessas circunstâncias, e com o relógio biológico uivando aos 34 anos do 2º tempo, qualquer encontro seria bem-vindo.

Até porque sua amiga Rita nunca a metera em furada. E Rita garantira com todas as juras de pés juntos que o primo do primo de seu namorado era do tipo caseiro, família tradicional mineira, boa pessoa e ela nem quis saber o resto, já estava bom demais. Encontro, aí foi ela.

Não vou aborrecer os leitores com os detalhes de depilações, pés, mãos, cabelos, massagens, cremes, roupas e perfumes novos. E as leitoras conhecem bem tais rituais, tampouco precisam de detalhes. Portanto, vamos à conclusão: ela ficou um espetáculo. As leitoras aprovariam, os leitores cairiam a seus pés, incontrolavelmente fascinados.

(Tá bom, vamos confessar, há um certo exagero, mas que ela ficou um arraso, ah, isso ficou. O decote na medida certa, o perfume na sedução exata para fisgar...hum, não, não, “fisgar” não, tentemos de novo: na medida certa para conquistar um bom marido. Pronto.).

Rita chegou para buscá-la, e, no jeito sincero e rude que a amizade de muitos anos permite, declarou com todas as letras: “hoje você desencalha”. Isto é, completou, se não ficar com a frescura de sempre. Mulher exigente como você acaba encalhada. Veja o meu namorado, disse, não é da família dos Orleans e Bragança, ele come de boca aberta, mas é legal. Imagina, dizia, cheia de indignação, se eu ia fazer que nem você, terminar um namoro só porque o coitado levantava o dedinho que segurava a xícara, ao tomar café? Ou aquele outro, que nem teve uma segunda chance, só porque tomou a sopa fazendo barulho (aquele, sabe, schchrrllp, feito quando a pessoa chupa o líquido, em vez de tomá-lo feito gente)? Com tudo ela concordou humildemente, garantindo que estava cansada de ficar sozinha, se o rapaz não fosse um psicopata assassino já seria o par perfeito. Hoje terminaria a noite com status de namorada. A amiga acreditou, sossegou e finalmente chegaram.

Era uma churrascaria, dessas famosas, tipo Plataforma ou Porcão, não vou dizer qual que não estamos aqui para fazer propaganda, mas era desse tipo. Grande, barulhenta, cheia de jóias de gosto duvidoso e carros importados. E muitos turistas também.

Assim que as viram os dois homens se levantaram. Bom sinal. E assim que o viu, o mundo dela ficou cor-de-rosa: ele era alto, amorenado, cabelos com um aqui e acolá de branco, um charme. Perfumado. E gentil. É ele, pensou ela. É ele o homem da minha vida. Com esse eu caso, não tem conversa.

E o fato é que ele parecia pensar a mesma coisa. Olhava embevecido aquela deusa que o primo do primo apresentara, e pensava que finalmente teria alguém decente para mostrar à família.

Enfim, um conto de fadas. Foi dito que ele era charmoso, gentil, bem vestido, até bonito? E que sabia se comportar, não comia com a boca aberta, nem palitava os dentes na mesa? E se, além disso tudo, ainda fosse rico? Hein? Pois é, ele também era rico, na verdade era um dos sócios majoritários da churrascaria! Ela quase gritou de alegria, mas se conteve a tempo, felizmente. E quantos, perguntou - toda sorrisos, já se vendo em grandes festas, fazendo as honras da casa -, eram os sócios?

“Semo três”.

Como? Perguntou, meio tonta com o barulho ao redor.

“Semo três”.

Ela parou no tempo, ainda aturdida com a declaração, e ficou olhando para ele.

“Semo três sócio” – garantiu ele, complementando a informação carente de “s”, e pensando que aquela sua deusa era meio burrinha.

Alegando um súbito mal-estar (que, a bem da verdade, nem era tão fingimento assim) ela se levantou para ir embora. Ele ainda se ofereceu para deixá-la em casa, mas ela saiu correndo, como uma cinderela às avessas e nem sapatinho deixou. Estava disposta a aturar tudo nele: a mania de limpar os dentes com a língua, as unhas pintadas com base, e até os pêlos do nariz que teimavam em sair para fora e balançar ao vento toda vez que ele respirava um pouco mais fundo. Tudo por um casamento. Menos erros de português.

A Rita disse que só voltaria a falar com ela dali a dois anos.

Comentários

Caca disse…
Olhe, Zoraya, eu tenho um par perfeito para ela: O Colocador de Pronomes, personagem de um conto de Monteiro Lobato. Tão genial quanto esse seu. Adorei. Abraços.
Eu entendo a amiga da Rita. :)
Marilza disse…
Entendo perfeitamente....há coisas que são mais abomináveis que qq palitinho entre os dentes :)
Cristiane disse…
Muito boa sua cronica!
Quem nunca foi a Rita ou a protagonista da história uma vez na vida?
Moça esperta!
albir disse…
Pois é, Zoraya, a gente pensa que se preparou pra tudo, mas se surpreende.
"Semo muito izigente".
Ótimo texto. Parabéns!
r a c h e l disse…
Zô, fosse isso possível... a amiga da Rita soy yo. (rs)
Adorei, moça!

Beijoca,
Carla Dias disse…
Ótima crônica, Zoraya! Há certas coisas que doem na gente, mesmo sem nos atingir fisicamente, não é mesmo? Muito bom texto...
Antonio Fernando disse…
Tou rindo até agora, imaginando o sujeito falar "Semo três sócio". Kkkk.
E amei o "34 anos do segundo tempo". Só você mesma. De uma criatividade ímpar!

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