POEMA DESATADOR >> Eduardo Loureiro Jr.
O primeiro era um poema que se escrevia assim:
Não sou Pacífico,
sou Atlântico
— Mar Tenebroso.
Quem atravessar,
ganha um mundo novo.
Eu tinha vinte e poucos anos, estava todo cheio de mim: "quem quiser encarar, que venha; não sou fácil, mas o prêmio é bom".
Anos depois, o poema — intrometido — me chamou para uma conversa: "não é bem assim", patati, patatá... e o poema e o poeta se reescreveram:
Não sou Pacífico,
sou Atlântico
— Mar Tenebroso.
Quando atravessar,
ganho um mundo novo.
Desde então, e já se passaram muitos anos, estou nesta empreitada de me atravessar, por vezes a remo, por vezes a nado.
Se puxo esse assunto todo logo hoje é porque, ainda ontem, me apareceu mais um poema engraçadinho e metidinho, que eu pensei que já havia ficado na gaveta virtual do esquecimento, escrito numa época de difícil relacionamento:
Poeminha, diga-se de passagem, que eu julgava "o máximo do paradoxo estendido na areia". Que genial colocar em quatro palavras todo o emaranhado de um casal! Mas eu não perdia por esperar...
E foi ontem, na verdade já esta madrugada, quando eu escutava uma canção que não ouvia há tempos da Flávia Wenceslau (compositora que não tem nada de minúscula), e cujo refrão é o seguinte:
"Eu vim pra quem me chamou.
De nó, eu sou desatador."
Era assim, desse jeitinho que está aí em cima, que eu distribuía as palavras de Flávia em meu juízo. Mas ontem, talvez porque fizesse frio, talvez porque eu comesse pipoca, talvez porque o dia tivesse sido assim tão sem nó, eu ouvi as palavras em linhas diferentes:
"Eu vim.
Pra quem me chamou de nó,
eu sou desatador."
E o mais recente poema intrometido — ainda mais intrometido que o primeiro — reescreveu o poeta sem se deixar reescrever por ele:
O nó é um: do retraimento, da insulação, da soledade.
Em dois, somos nós, desemaranhando um ao outro.
O poema é um nó do poeta que em nós desata.
Comentários
pode por vezes ser um nó complicado demais para desatar.
bises
Bom sabê-lo de volta.
Bjs