O PRÊMIO >> Kika Coutinho

Tínhamos uma filha de alguns meses, 9, 10, quase um ano, enfim.

E, não sei por que, falávamos de ter mais filhos. Ele, disfarçando a resistência, dizia que, claro, mais pra frente, quem sabe e tal. Eu, firme, argumentava que o “mais pra frente” até tudo bem, mas queria mais duas crianças, para pelo menos completarmos três. Era um papo descontraído, nenhum acordo seria firmado e ninguém estava no cartório. Éramos um casal novo, passeando com carrinho de bebê pelo bairro, em um final de semana de sol.

De repente, cansei de enrolar e inventar argumentos. A verdade nua e crua era uma só, e eu tinha que dizer:
- Amor? Quer saber? Eu preciso ter mais filhos e pronto.
- Como assim? – ele respondeu, intrigado.
- Olha, eu sonhava em viajar pra África, cuidar dos pobres, sonhava em descobrir a cura de qualquer coisa, ser astronauta, magnata ou presidente, e já não fui nada disso.

Ele começou a andar mais devagar, atento. Enquanto eu continuava:
- Eu queria fazer coisas grandiosas da minha vida, mas, veja, fiz uma filha. Se fosse pra não ter filhos, eu queria no mínimo, veja bem, no mínimo, um prêmio Nobel. Preferencialmente, da Paz, que tem sempre aquele tchan, né?

O silêncio ocupou um espaço entre nós, quando ele sorriu. Mas eu não achava graça. Era tudo muito sério:
- E olha só, Amor, eu não fui Nobel, nem vou ser. Também não vou parar em Hollywood, e a verdade é que não me apetece, porque isso tudo é meio ridículo. Quero filhos. Quero parir pessoas, assistir um bicho crescer dentro de mim, pari-lo com ou sem dor, que a mim tanto faz. Quero ensinar como se segura uma colher, como se equilibra no meio-fio, como se desce no escorregador. Quero, quem sabe, ensinar alguém a falar "obrigada", "por favor", "me desculpe". Quero ser responsável por passar para uma outra pessoa qual o valor da risada, do domingo, do dinheiro e dos livros. Isso sim é grandioso, isso é que eu posso fazer ainda, pela vida, pela humanidade, pela espécie, entende?


Meu marido não me respondeu, mas eu notei que esboçava um sorriso, calado, enquanto empurrava o carrinho da nossa pequena filha. Respirei fundo, sugeri um sorvete na padaria e ele topou. Era um bom sinal...
Hoje, cerca de nove meses depois, foi dessa conversa que me lembrei quando o médico anunciou, ainda com o ultrassom na minha barriga: “Amanhã. Tem de nascer amanhã”.

Um frio me percorreu a espinha e eu tive, de novo, a impressão de ter sido premiada com algo muito maior que o Nobel da Paz. Levantei-me da maca com a ajuda do meu marido, que me segurou firme pela mão. “Amanhã”, ele repetiu me olhando, compartilhando daquele frio na espinha, daquele misto de alegria e susto, excitação e pânico, uma tempestade doce e intensa, que só aqueles que fizeram coisas grandiosas, grandiosas mesmo, puderam conhecer.

Amanhã nascerá em São Paulo uma menina, nossa segunda filha. E o Nobel da Paz nunca me pareceu tão ridículo...

www.embuchada.blogspot.com

Comentários

Fabi/Bia disse…
Kiks, querida. Quem não tem filhos ainda, acredite, fica com vontade só de ler seus relatos! :o) Que esta segunda-feira longa e demorada termine logo para que vc receba seu prêmio humano. Desejo incontáveis alegrias para esta família-quarteto tão incrivelmente especial pra mim. Um beijo grande para a minha pequena Sofia, que me derrete a cada "Bia" pronunciado nas nossas sextas-feiras. Tá certo: ninguém quer saber de sexta nenhuma... O que importa é a terça que se aproxima! Um bj na sua barriga! Smack! luv u.
Abner Martins disse…
Posso confessar que me arrepiei com poucos textos na minha vida. Mas vc conseguiu colocar em mim avontade de ter filhos.

Parabéns

saudaçõesdo ABner

abnerlmesmo.blogspot.com
Jujú disse…
Ah, linda...sem palavras pra descrever a alegria e emoção de ler esse seu texto!

Não há como expressar...só posso lhe desejar toda sorte desse mundo, e que Olívia venha com muita saúde, porque ela já foi abençoada por uma linda família!

Uma "ótima hora" procê!

Beijos, beijos
Cristiane disse…
Ana, que os anjos a acompanhem amanhã e em todas as outras noites e dias longos que virão.
Conversava hoje sobre esta dúvida cruel que acomete as mulheres dos dias atuais: ter filhos ou se aprimorar profissionalmente? No meu caso, ter filho ou estudar com bolsa-sanduiche na Europa?
A sua foi uma bela escolha, que nos inspira a cada linha escrita.
Um beijo, querida!
Não tive filhos e percebo que a maternidade cabe a pessoas assim como você, cheias de magia e instinto materno.
Que Deus coloque em seus braços mais essa menina e vocês sejam sempre uma família muito feliz!
Unknown disse…
Coisa mais linda, Kika! Fiquei emocionada! Seja bem-vinda, Olívia!!!! Beijos!
Andrea Rosario disse…
ADOREI !!!
Seu texto é tão lindo que até senti saudades do período de minha gravidez.Parabéns e que seja muito feliz

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