NOVE MESES >> Kika Coutinho
Cheguei, com louvor, ao nono mês. Sempre achei que nesse final haveria uma despedida silenciosa entre mim e a barriga que cultivei. Enganei-me. A despedida existe, mas não é silenciosa. E não é só minha. Também, não é pra menos, foram 9 meses.
Nesses nove meses descobri o conforto de passar por uma fila gigante ilesa, e sem que ninguém possa reclamar. Descobri a delícia de ter sempre uma cadeira para que eu descanse, uma mão para apoiar-me, um mimo para agradar-me. Ainda que eu me sinta mais forte e capaz do que nunca, é a época em que mais te tratam com carinhos e agrado.A barriga é um imã de gentilezas.
Descobri que a grávida comunga com o mundo, ainda que não queira. Na rua, uma grávida atrai os olhares de todos. Dos velhinhos e das crianças então, nem se fala. Os velhinhos sorriem para mim descaradamente. Quanto maior a sua barriga, mais vai sentir essa estranheza que é o olhar alheio tão firme, tão sem vergonha, tão agradavelmente feliz. As pessoas olham para você e – pasmem – chegam a acenar, tal qual um velho conhecido. As mães, com seus filhos, logo falam para as crianças: “Olha, filho, tem um bebê na barriga da moça”. E pronto, eu paro, a moça para, a criança para. Tudo para acariciar minha barriga gigante.
Imagino que ser famoso deve ser assim. Todo mundo te olha e te reconhece. Fingi inúmeras vezes que eu era a Xuxa. Eu era a Xuxa e todo mundo me olhava, eu acenava de volta, sorridente, exatamente como a Xuxa faria. Cheguei a jogar beijinhos para um bebê que deve ter visto meu DVD “Só para baixinhos”.
Descobri, nesses nove meses, que ninguém nunca desconfia de uma grávida, nunca. Todas as catracas se abrem, te isentam de dar o número do documento pra pegar o crachá, te livram de perguntas e fotos. Nenhuma porta giratória de banco barra uma grávida, pode reparar. Inicialmente, pensei que poderia assaltar o Itaú, aqui perto de casa. Entraria com seis metralhadoras e todos ainda sorririam para mim. Desisti só porque não achei um parceiro que topasse e, agora, fiquei um pouco lenta para correr. Se bem que não haveria necessidade, quase que posso jurar.
Agora chegou a hora da despedida. Cada pessoa de quem despeço-me, logo deseja-me boa hora, bom parto, que Nossa Senhora me acompanhe, etc. Na manicure, quando anunciei que semana que vem não viria, elas logo me pediram um abraço, afagaram a minha barriga, chamaram as outras. Emocionei-me com aquela legião de mulheres que me desejavam saúde, sorte, força e todas as coisas boas que se pode desejar a alguém. Emociono-me com as pequenas despedidas do dia-a-dia. Emociono-me com esses desconhecidos luminosos, que sequer falam seus nomes, mas fazem questão de encostar no meu ombro e desejar-me tudo de bom, boa hora, vai com Deus. É uma despedida alegre e emocionante. As pessoas sorriem um sorriso que eu não conhecia, tratam-me com tamanho afeto e consideração que chega a doer..
Nesses nove meses descobri que as pessoas são boas, a humanidade desponta uma luz nova, torna-se luminosa e emociona-se com esse milagre tão cotidiano, que é a gravidez.
Despeço-me da barriga, não sem dor. Essa barriga que eu desejei tanto, essa incômoda companheira contra a qual praguejei todas as vezes em que as roupas não entravam, não estará aqui em breve. No lugar dela, uma menina. Uma pequena criança que não sabe quem é, que não sabe quem sou e nem onde vive. Uma criança que nem sabe que vive. Não conhece a minha língua, nem os meus medos. Ainda assim, confiará em mim. Sorrirá para mim e dedicará a mim seu afeto e carinho. Como os desconhecidos com quem cruzei, essa criança é a parte mais luminosa e gentil da humanidade.
Comentários
Beijo pra Anabarrigassofia.
Junto-me ao resto da humanidade e desejo-lhe tudo de bom! Bem-vinda, Sofia! :)
Beijos!
Que mais barrigas venham para nos brindar com textos tão sensíveis e cheios de uma esperança luminosa. Que o mundo de Sofia seja repleto de flores e de um eterno canto de sabiás. Parabéns!