MEIA-BOCA >> Eduardo Loureiro Jr.
Tem gente que só quer do bom e do melhor. Para mim, o bom já está bom; só quero do melhor se não der muito trabalho.
Querer ser o melhor — e ter o melhor — normalmente necessita de um esforço que não vale a pena que o próprio esforço criou. A dor é um bom limite. Se está doendo, então já está perto da hora de parar: a partir daquele ponto, um aumento do esforço não vai melhorar muito o resultado.
Sabe aquelas coisas de "vou atravessar a cidade para comer AQUELE bolinho de bacalhau, o melhor do mundo"? Ué, mas se tem um bolinho de bacalhau bom já ali na esquina, por que pegar carro, ônibus, táxi? Sai mais em conta caminhar até o bolinho mais próximo. Em matéria de culinária, não tenho muitas papas na língua. Sou incapaz, por exemplo, de identificar coentro numa comida: e tem gente que detesta coentro, quer lamber o tridente do diabo mas não trisca a língua em coentro. É a turma que quer o melhor, que quer o perfeito, para quem tudo deve ser daquele jeitinho ideal.
Ideal é um bom nome para padarias — Padaria Ideal, o seu paõzinho perfeito — mas, no dia-a-dia, eu prefiro o real. E o real quase nunca é perfeito, está mesmo longe de ser o melhor. Tem gente que compra o mais barato, tem gente que só paga pelo melhor. Eu escolho o mais-ou-menos, o meia-boca, o morno que muita gente vomita.
Praticamente nada do que faço recebeu ou receberá o adjetivo superlativo de bom: o melhor está fora de minhas pretensões. Meus textos — esta crônica, por exemplo —, minhas músicas, minhas aulas, minhas análises de mapa astral, qualquer tarefa que eu desempenhe — de desentupir uma pia a fazer turismo numa nova cidade — traz sempre a marca do "se já 'tá bom, 'tá bom".
Entre a dona Qualidade e a dona Quantidade, fico com as duas — mas não sacrifico a segunda pela primeira. O tempo e a paciência perdidos na tentativa de fazer do bom o melhor poderiam ser empregados em outras coisas. Em vez de gastar o juízo para compor a canção perfeita, faço logo umas dez seguidas e, com sorte, algumas delas ficam bonitas. Não sou um daqueles para quem a busca da perfeição leva à perfeição. O que me aproxima da perfeição é a prática constante e fiel do erro.
E se há mesmo que se fazer o esforço, é bom que se produza muito. Eu que não vou botar óleo numa panela — e depois ter o gordurento trabalho de lavá-la — só pra comer uma cuiazinha de pipoca. Se é pra fazer pipoca, que a espagueteira fique cheia delas. Espagueteira, sim. Só usa pipoqueira quem quer a melhor pipoca, o que, vocês sabem, não é o meu caso.
A única coisa que fica perfeita com o esforço concentrado é o estresse. O que tem de gente perfeitamente estressada é uma beleza. E como é que se saboreia o perfeito bolinho de bacalhau ou a perfeita pipoca quando se está perfeitamente tenso? E como é que se admira a perfeita canção ou o perfeito texto quando se está perfeitamente exausto? Não sei a resposta, nunca fiquei perfeitamente estressado, não faz parte da minha realidade. Para mim, de estresse já basta o ruim, não quero saber do pior.
Essa história de olho clínico, de ouvido absoluto e de paladar sensível no mais das vezes só atrapalha. Não é coisa de mestre nem de gênio. Não é chique, é chato. Porque tem hora que as pessoas que querem o melhor começam a querer o seu — o meu — melhor. E aí é um tal de "faz isso assim", "você devia fazer assado", "o potencial você já tem, basta se dedicar um pouco mais"...
Já foi-se o tempo em que eu era cu-de-ferro, o primeiro da classe. Hoje em dia, gazeio aula para jogar porrinha no pátio e fico contente se passar por média. Que os outros pelejem pelo exato. Eu prefiro passear pelo descabido.
Comentários
Mas td que faço, tem paixão, sou intensa, então para mim atravessar a cidade em busca do bolinho de bacalhau perfeito é a minha cara...
Abraços
O.
beijos!!
"pra quem é tá bom"....rsssss
e parto pra outra.
Mas nem por isso meu trabalho fica ruim, no mínimo, "meia boca", como diz vc....rsss.
Adorei sua crônica! (boca inteira)
beijo
klaudya
Eu me contento com a pizzaria da esquina se não posso ir à minha pizzaria preferida, mas sou capaz de viajar 70km de Recife a Porto de Galinhas só pra comer um ensopadinho de caranguejo feito por dona Marinete.
Tudo depende. ;)
Beijo querido! Saudades! Quando vens pro sul?
Muito boa crônica, direta e profunda, como qualquer coisa que valha à pena deva ser.
Eita, Valdir, acertei no seu lema? Então acho que vou jogar na mega-sena. :)
Fernanda, você acrescentou a palavra que faltava ao meu texto meia-boca: simplicidade. :)
Klaudya, adorei o "pra quem é tá bom" e a boca inteira. :)
É verdade, meu amigo: tudo depende. Mas "depende" é uma vara muito longa para eu cutucar onça. :) Será que a Dona Marinete fica tão feliz quanto eu quando você dá o ar da graça? :)
Rachel, quando você comenta, eu sempre tenho a sensação de que atingi o ponto G da escrita. Que lhe baste o real, que lhe bula o bolinho. Sem previsões de viagem. :)
Grato, Alberto. Saudações até Vitória da Conquista!