VENHA COMEMORAR >> Ana Coutinho >>

Quer me ver feliz, me dê um convite em que tenha escrito em letras garrafais “VENHA COMEMORAR!” que eu vou. Tendo o aniversariante qualquer idade cujo número caiba apenas em um dígito, pronto. Meu final de semana está feito. Cancelo viagem pra praia, desmarco o almoço com as amigas, tudo. Minha prioridade — na vida — são as letras garrafais em colorido: VENHA COMEMORAR! Vou.

Sou abduzida por festas infantis. Ao contrário de todo mundo que conheço, eu as adoro, confesso com uma pitada de vergonha. Por isso, a propósito, deixo claro: não estou aqui falando de retornar à infância, de sermos crianças de novo e nem das festas ridículas que pessoas de 30 anos fazem vestidas de Cinderela em buffets infantis. Cruzes, não, não faço o tipo adulta tip-top que anda pra lá e pra cá com adesivos das Meninas Superpoderosas. Não.

Falo mesmo de olhar a infância daqui, do alto dos nossos inta e poucos ou enta e tantos, não importa. Falo de assistir aos pequenos tolos rirem, gargalharem até, com um palhaço absolutamente idiota aos nossos olhos, já tão fartos de imagens desse tipo. Falo — principalmente — de uma mesa cheia de docinho, frituras passeando nas bandejas para lá e pra cá, impunes, corruptas soltas nesse mundo de saladas e cenouras. Pois lá na comemoração, as bolinhas de queijo — essa representante da bandidagem que se tornou a fritura — podem satisfazer a todos nós, sem vergonha nem culpa. “Risole? É do quê? Queijo e presunto? Hummm, pode deixar um pratinho aqui?".

Onde, onde mais é possível? A festa infantil é uma trégua do politicamente correto, uma trégua do light, uma trégua do salto agulha sem precisar ser pantufa. Uma trégua para nos encantarmos um pouco com essas pessoas pequenas que trombam desajeitadas no nosso joelho quando querem correr pra pegar a lembrancinha. Sempre tem uma criança que nos chama atenção. Sempre tem um que ri mais, um que se perde, um que come a forminha do brigadeiro, um que dança de um jeito engraçado. Eles, com seus sorrisos de dente de leite, são ainda mais saborosos que os brigadeiros. Eles, que ainda acreditam em tudo, ainda riem de tudo, são legítimos representantes de nós mesmos. Assistimos a essa parte perdida do nosso inconsciente ali, do lado de fora, e vamos dizendo um para o outro: “olha aquele ali, rindo sem parar. Olha aquela, dançando assanhada, tá vendo aquela, aquela ali, de vestido de princesa? Viu? Ela não tá nem aí pro palhaço...”

É a vida se surpreendendo com o de sempre. É o encanto das possibilidades. Não há boas maneiras, não há sapato alto nem batom vermelho. Somos todos — adultos e crianças — quem queremos ser mesmo. Vem comemorar?


Comentários

Cristiane disse…
Bom, Ana, eu fazia parte desta turma sua aí de cima (talvez ainda faça parte). Mas, hoje, tenho trocentos e cinquenta e nove meninos e menias, TODOS, gritando estridentemente ao mesmo tempo: "professora fulano me mordeu", "professssssssora a fulana não gosta mais de mim, buáa", "professoooooooooooora, o que é mesmo para fazer?", "professssoooooooorrrrra aquele lá me molhou todo (e dá-lhe choro e rouba molhada)", "professsssssssssssooooorrrra me ajuda", "professoora, minha cabeça tá doendo", "professora, eu caí e ralei o joelho". Ai, vixe santíssima!!!! Estou jogando a toalha, querida... Quero ouvir só os gritinhos da minha pequetita e do pequetito que chegará no final do ano.

beijocas
Juliêta Barbosa disse…
Ana,
Há uma criança dentro de mim que não tem medo do ridículo. Ela deixou sem-teto o adulto que me tornei. E é isso que me torna mais humana... Gente.
Convite aceito!
Ryuji disse…
Nossa, muito bom!
Curti mesmo..
FEsta de criança é muito bom mesmo hehe
se ver nas crianças é mais engraçado ainda xp
Abços
Carla Dias disse…
Ana,
Que delícia de crônica!
Sou das que faltam às festas infantis, confesso, mas jamais ao observar a alegria da garotada, entrar na onda delas. Como você disse, não voltar à infância, mas contemplá-la como quem já passou por ela.

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