O MENINO-LUZ >> Eduardo Loureiro Jr.
Resolvi antecipar meu Natal e visitar o aniversariante antes que a casa ficasse lotada de visitantes de última hora.
Ainda não havia me ocorrido visitá-lo. A gente às vezes não atina com certas coisas óbvias, e acaba cometendo absurdos: por exemplo, um aniversário em que a maioria dos presentes são trocados entre os convidados, muitas vezes até na ausência do aniversariante.
Após mais de dois mil anos, esperava encontrá-lo um tanto idoso, de cabelo e barbas brancas, mais parecendo o pai que o filho. Para minha surpresa, ele tinha a aparência de uma criança entre um e dois anos. E confesso que não sei como se tornará um homem moreno de cabelos castanhos e encaracolados, porque o menino é branquinho de cabelo liso e preto.
Ele já é capaz de andar com habilidade, o que não o livra de algumas escorregadelas de vez em quando. Mas não existe praticamente nada que ele não possa alcançar, direta ou indiretamente. Os adultos brincam com máquinas e ferramentas, enquanto as crianças contam com a mais avançada tecnologia que existe: os adultos que lhes fazem todas as vontades, principalmente se você é uma criança cheia de graciosidade como é o caso deste menino.
Embora os pais tentem educá-lo na língua da região, o menino fala uma mistura de japonês com português, sem impedi-lo de inserir fonemas de inglês e possivelmente — eu não conheço bem o idioma — de aramaico. Sua fala divide as pessoas em dois grupos: o "Pá" e os "Údi". Pá se refere a um boneco de aspecto azulado, que suponho ser Deus. "Údi" são todos os demais bonecos — incluindo os adultos. Incrível o grau de síntese que ele conseguiu com a palavra "údi", pois nela já está contida a regra de ouro de fazer aos outros apenas aquilo que queremos que os outros nos façam, e também o duplo mandamento de amarmos uns aos outros e a Deus sobre todas as coisas. "Údi" poderia ser traduzido como o "um di" ou o "um diverso" — poderíamos mesmo pensar que se trata de uma forma compacta de "universo".
Todo filósofo tem suas manias, e esse menino não é diferente: fica de vigília nas madrugadas. Coisa de quem nasceu à meia-noite, já com o hábito de abrir os olhos e o berreiro assim que o dia começa — como se ele fosse o próprio Sol que precisa se aprontar, se aquecer, antes de dar o fogo da sua força pela manhã.
Ganhei a confiança de seus pais e consegui levar o menino para um passeio pelas redondezas. Mas que divertida canseira! Ou ele sai correndo sem querer segurar na mão de ninguém ou faz cara de manha pedindo colo. Não há meio-termo nem chance de ele simplesmente andar de mãos dadas com você. E pela vizinhança todos o conhecem e pedem, quando ele passa: — Luz, luz.
Aos que sempre tiveram dúvidas, eu confirmo: o menino faz xixi, faz cocô, arrota, peida, sua... Não é em nada diferente de qualquer criança, incluindo a característica infantil de deixar adultos exaustos e encantados ao mesmo tempo.
Quando voltei, já pude ver um monte de gente se aproximando — "Menos a cada ano", falou um caminhante para o outro. Mas ao invés de ficar pensando na dureza daqueles que vêm cada vez menos, fiquei foi desconfiado daqueles que sempre vêm: já não era tempo de terem descoberto que o menino, quando saímos, dá um jeito de se esconder entre as nossas vestes e seguir conosco?
De minha parte, vou tratar de mantê-lo por perto. E um dia talvez eu entenda o milagre dele ter permanecido lá e de ter vindo comigo para cá ao mesmo tempo. Criança tem cada uma, nos prega cada peça. E esse menino parece que sabe das peças, das pregas e, por incrível que pareça, também parece saber tudo de cada um de nós.
Ainda não havia me ocorrido visitá-lo. A gente às vezes não atina com certas coisas óbvias, e acaba cometendo absurdos: por exemplo, um aniversário em que a maioria dos presentes são trocados entre os convidados, muitas vezes até na ausência do aniversariante.
Após mais de dois mil anos, esperava encontrá-lo um tanto idoso, de cabelo e barbas brancas, mais parecendo o pai que o filho. Para minha surpresa, ele tinha a aparência de uma criança entre um e dois anos. E confesso que não sei como se tornará um homem moreno de cabelos castanhos e encaracolados, porque o menino é branquinho de cabelo liso e preto.
Ele já é capaz de andar com habilidade, o que não o livra de algumas escorregadelas de vez em quando. Mas não existe praticamente nada que ele não possa alcançar, direta ou indiretamente. Os adultos brincam com máquinas e ferramentas, enquanto as crianças contam com a mais avançada tecnologia que existe: os adultos que lhes fazem todas as vontades, principalmente se você é uma criança cheia de graciosidade como é o caso deste menino.
Embora os pais tentem educá-lo na língua da região, o menino fala uma mistura de japonês com português, sem impedi-lo de inserir fonemas de inglês e possivelmente — eu não conheço bem o idioma — de aramaico. Sua fala divide as pessoas em dois grupos: o "Pá" e os "Údi". Pá se refere a um boneco de aspecto azulado, que suponho ser Deus. "Údi" são todos os demais bonecos — incluindo os adultos. Incrível o grau de síntese que ele conseguiu com a palavra "údi", pois nela já está contida a regra de ouro de fazer aos outros apenas aquilo que queremos que os outros nos façam, e também o duplo mandamento de amarmos uns aos outros e a Deus sobre todas as coisas. "Údi" poderia ser traduzido como o "um di" ou o "um diverso" — poderíamos mesmo pensar que se trata de uma forma compacta de "universo".
Todo filósofo tem suas manias, e esse menino não é diferente: fica de vigília nas madrugadas. Coisa de quem nasceu à meia-noite, já com o hábito de abrir os olhos e o berreiro assim que o dia começa — como se ele fosse o próprio Sol que precisa se aprontar, se aquecer, antes de dar o fogo da sua força pela manhã.
Ganhei a confiança de seus pais e consegui levar o menino para um passeio pelas redondezas. Mas que divertida canseira! Ou ele sai correndo sem querer segurar na mão de ninguém ou faz cara de manha pedindo colo. Não há meio-termo nem chance de ele simplesmente andar de mãos dadas com você. E pela vizinhança todos o conhecem e pedem, quando ele passa: — Luz, luz.
Aos que sempre tiveram dúvidas, eu confirmo: o menino faz xixi, faz cocô, arrota, peida, sua... Não é em nada diferente de qualquer criança, incluindo a característica infantil de deixar adultos exaustos e encantados ao mesmo tempo.
Quando voltei, já pude ver um monte de gente se aproximando — "Menos a cada ano", falou um caminhante para o outro. Mas ao invés de ficar pensando na dureza daqueles que vêm cada vez menos, fiquei foi desconfiado daqueles que sempre vêm: já não era tempo de terem descoberto que o menino, quando saímos, dá um jeito de se esconder entre as nossas vestes e seguir conosco?
De minha parte, vou tratar de mantê-lo por perto. E um dia talvez eu entenda o milagre dele ter permanecido lá e de ter vindo comigo para cá ao mesmo tempo. Criança tem cada uma, nos prega cada peça. E esse menino parece que sabe das peças, das pregas e, por incrível que pareça, também parece saber tudo de cada um de nós.
Comentários
A sua amizade foi meu melhor presente deste ano, Eduardo. Grata por tornar-me ao sentir.
Que o Menino Luz continue a brilhar seu coração e a brincar com você em seus dias.
Amém pra ti e pra todos além!
maria
Assim foi, assim é e que assim seja, Maria. :) Grato,
Seja bem-vinda, Anônima. Venha respirar sempre que quiser. :)
Lindo, lindo,lindo! Que o menino-luz continue iluminando você.
Bjs,
Tia Monca
Grato, Tia. Que assim seja. :)