A ÁRVORE DOS SONHOS >> Carla Dias >>

Quem sabe até rodopio pra ficar tonta de tanto lamento, depois sapateio pormenores e entremeios. Misturo tudo que é pra endoidecer, mas dessa vez, à noite.
Eu adoro a noite.
Pode acreditar que passarei dançando pelo fio da navalha só pra recortar alegorias. As cores, estandartes, concertinas a me lembrarem desse carnaval precedente de quarta-feira a catar as cinzas. A fênix bêbada de boteco, de farra pura, já não renasce... Perpetua-se por pura preguiça.
E minha boca sempre aberta, apesar da palavra engasgada.
Mas calo a mudez num reverberar de palmas, pois a estrela da noite aponta no céu, os cabelos trançados por anjos. Sapateio bisbilhotice e curiosidade pelo universo que habita outros cantos, aquém desse meu. Barulhenta que só, aproximo-me do tempo como se pudesse tocar meu nariz no dele.
Em tempo: borboleteio por quilômetros e quiálteras. Escutei em uma música que ‘a árvore dos sonhos morreu’. Coisa de morte me rouba a voz só para reverberar temperança onde não deve. Nas raízes: arapongas, canções de ninar, alforrias, fertilidade, chão, razão. Nos galhos: asas, piruetas, liberdade, vento lambendo folhas, folhas em queda livre.
Pendurarei pares de sonhos nos galhos dessa árvore e ela há de se encher toda de vida. Suas raízes oferecerão origem aos itinerantes; suas folhas dançarão as danças dialéticas, emblemáticas, catárticas. A sombra acolherá os que necessitam de descanso, ressuscitando o seu viço e fazendo a corte à realidade. Seduzirá o mais reticente e lhe dará voz.
Na árvore dos sonhos moram os meus... São inquilinos os meus sonhos, e cuidam da casa, da alma, do quintal de quem sou. Acompanham significados para que eles não percam o passo, a hora, a vitalidade. Se me olhar bem nos olhos, verá que as imagens que lá passam são as do cinema dos sonhos... Mesmo enquanto a vida cobra lógica e polidez, eles adoçam nossas bocas; fazem-nos buscar a palavra perdida com gosto de afeto.
Foto: Jennifer Renee
www.carladias.com
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