QUEM ME OLHA SÓ >> Carla Dias >>

Todos nós temos uma série de canções para combinar com uma série de grandes acontecimentos, até com pequenos gestos, lembranças. Às vezes, nem são necessários os acontecimentos, e a canção se torna uma companheira de viagem, uma jornada de delírio dos bons, daqueles que nos levam aonde jamais iríamos a sós... Mas somente acompanhados por uma boa canção.

A primeira vez que ouvi essa canção, confesso que senti um arrepio. Primeiro, por causa da chamada dos metais que há na música. Depois, pela letra, interpretada a contento por uma voz que soube embelezar a melodia.

Já reguei quase todas as plantas
Já chorei sobre todo o jardim
Elas gostam da chuva que molha
Elas pensam que o sol é ruim

Roberto Frejat e Arnaldo Antunes traduziram, através de Quem Me Olha Só, algo que já sabemos, mas nem sempre engolimos: às vezes, gostar não é o suficiente, e se transborda, afoga a possibilidade de ser correspondido. Por mais belo que seja o amor que sentimos, ele pode não ter vez se for somente nosso.

Quando o sol nos meus olhos brilhava
Por amar minha flor tanto assim
Fui feliz sem saber que secava
A rosa e trazia o seu fim

Aprecio muito a languidez dessa canção, pois me faz sentir como se estivesse sempre a um passo de alcançar o sentimento; de tê-lo nas mãos, percebê-lo concreto. O êxtase provocado pela possibilidade, por este quase alcançar, leva-me pela mão até meu delírio próprio.

Hoje sente dó, quem me olha só
Entre flores, folhas e capim
Elas gostam da chuva que molha
Se alimentam do mal que há em mim

Quem Me Olha Só tem sido minha companheira de viagem há muitos anos. Foi lançada em 1987, integrando o disco Rock’n Geral do Barão Vermelho, e desde então sobrevive em minha biografia. Já não há situação, pessoa, gesto específico que a canção me faça encarar... Hoje ela é trilha sonora de mim. Às vezes eu dou gargalhadas, em outras choro; em outras ainda chuto portas, escutando essa música.

Hoje sente dó, quem me olha só
Eu tenho o espinho do carinho
Hoje sente dó quem me olha sozinho

Uma canção pode dizer o que jamais verbalizaríamos, como deixa claro o personagem de John Cusack, Rob Gordon, no filme Alta Fidelidade (High Fidelity/2000), ao explicar a importância de se gravar uma coletânea de canções para alguém.

Quem Me Olha Só já acompanhou a criação de alguns dos meus poemas e contos. Já apertei muitas vezes o replay para ela e a senti de várias formas, de acordo com o que trazia em mim a cada vez que a escutava. Também já toquei essa música, desejando conhecer melhor a sua arquitetura.

Enfim, hoje é dia de QUEM ME OLHA SÓ.


Encontro entre Barão Vermelho e Ed Motta no Prêmio Multishow de Música Brasileira, em 1998.


Imagem: Jander Minesso >>http://www.flickr.com/photos/tantofaz


www.carladias.com

Comentários

Anônimo disse…
Carla, eu nunca tinha parado para ouvir esta música com a atenção que ela merece. Sua sensibiliddade me despertou para mais essa poesia.
Carla Dias disse…
Marisa, eu realmente gosto dessa música... E dessa poesia. Espero que sua viagem com ela seja tão bacana quanto tem sido a minha.

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