HÁ VIDA DEPOIS DO CASAMENTO [Ana Coutinho]


Não faz muito tempo eu era criança, uma menina tola e comum. Como tantas outras, eu brincava e pensava no meu futuro. Pra mim, o grande ponto do meu futuro era quem seria meu marido.

Encostava no verde quando falava alguma palavra junto com alguém, contávamos as sílabas e, em seguida, via em qual letra do alfabeto caía aquele número. Era a letra de algum menino que pensava em mim. Quando via um avião ou uma mulher grávida, pensava em três meninos, separava-os nos dedos da mão e pedia que alguém escolhesse um dos dedos. O escolhido representava o menino que, claro, estava pensando em mim. As meninas apertavam as mãos e contavam as ruguinhas que apareciam na lateral, ao lado do dedo mindinho. O número de rugas correspondia ao número de filhos que teriam. Olhávamos quem tinha o dedo do meio do pé maior que o dedão: era porque ia mandar no marido. Na brincadeira de pular corda, cantávamos “Com-quem-você-pretende-se-casar: loiro, moreno, careca, cabeludo...” ; a parte da música que a menina errasse o pulo, pronto, era o tipo de homem com quem ela ia se casar.

Nâo sei se todas, mas eu passei boa parte da infância me dedicando a adivinhar com quem eu ia me casar. Digo com quem, porque uma menina não pensava SE ia se casar. Brincava de panelinhas, de cabeleireira, de Barbie e – claro – Ken; não tinha como não me casar e a vida para mim duraria até aí: O dia do meu casamento.

Depois? Bem... Depois era como se eu fosse morrer. Porque acabava tudo, eu pensava, tão tolamente. A vida duraria até eu casar, depois eu achava que tudo perderia a graça, porque já saberia se ele era loiro, moreno, careca ou cabeludo, já não teria sentido encostar no verde, ver aviões, e pouco importaria o tamanho do meu dedo do meio do pé. As respostas me seriam dadas assim que acordasse, de cada dia chato que eu viveria depois que eu casasse e a vida – claro – estaria pronta.

Eu concluía em silêncio: “Depois que a mulher casa, ela já sabe tudo o que vai acontecer na vida. Acabou a graça...” Eu era mesmo uma menina muito tola...

Hoje, adulta, casei e, diferentemente de tudo que pensei, a vida continuou após a noite de núpcias. Os dias se seguem e, embora não tenha mais graça ver um avião ou pular corda, a vida se mostrou muito maior que a minha pequena cabeça infantil podia pensar.


A vida acontece agora e eu queria que alguém tivesse me contado isso. Que alguém tivesse me dito que a vida adulta pode ser boa – ou infinitamente melhor - que a infância, por mais doce que ela tenha sido um dia. Eu desejo que alguém tivesse me dito que casar era só uma parte da vida, uma parte bacana, importante pra algumas mulheres, talvez não tão importante para outras, mas sempre uma parte.

Que a vida acontecia independente de você se casar ou não, independente de o seu marido ser loiro, ou moreno, ou careca, ou cabeludo. “O sol nascerá todos os dias e você encotrará mistérios e novidades a cada manhã, independente de o seu marido ser um príncipe ou não. A propósito, se você tiver sorte, ele não será” ; podiam ter me dito isso, né? Assim, simples, sem rodeios.

Não sei se teria feito diferença, porque, no final, o que contou foi o tempo e os dias que continuaram vindo quando eu já era adulta e sozinha, adulta e solteira, adulta e não mais tão preocupada com o fato de ter ou não marido. Acho que, essa descoberta, pra mim, foi uma libertação. A sensação de ser completa é só e quase tão prazerosa quanto a sensação de ser completa ao lado de alguém. A solidão, quem diria, pode ser um grande prêmio e só se aprende a viver junto, na minha opinião, depois que se aprende a viver só.

Aprendi na marra, com certa dor, mas hoje acho graça desse tempo. Acho graça e comemoro, a cada nova manhã, quando vejo ali, ao lado do meu amor, que a vida acontece mais e melhor, a cada novo dia que se vive (sim!) depois de casar.

Doce Rotina

Imagens: Young Girls in White Smiling, Claire Artman; Rapture, Helen Aponte; 50Years of Love, Trine Sirnes

Comentários

Ana, querida,
Vc é tão sonhadora! :)
Eu não vou te desanimar, mas vamos sentar pra continuar esse papo daqui uns dez anos?
Eu vou gostar de ler a nova crônica que pode sair disso... :)
Beijo enorme.
Anônimo disse…
Ana, voltei à infância com sua crônica e lembrei de todas as brincadeiras que você mencionou. O mais interessante é que, talvez por problemas de relacionamento entre os meus pais, sempre passei por chata, porque nunca brinquei de nada semelhante. Não casei! E fico imensamente feliz em saber que há vida depois do casamento, tanto pelo seu texto como por exemplos da minha convivência diária. Entretanto, garanto que também existe vida sem ele. :) Viva a diversidade, não é mesmo? E como são as brincadeiras das meninas de hoje? Elas ainda pensam nisso?
Anônimo disse…
Não dizem pra gente, Ana, porque para cada uma é diferente. Cada dia é diferente do outro, como você mesma disse. O sonho do casamento perfeito se desfragmenta na rotina e obrigações do dia-a-dia. E o que nasce é outra relação, outra realidade, novos sonhos aparecem. É uma outra vida, diferente de todas que sonhamos ou planejamos, quando se dorme e acorda todos os dias ao lado de alguém.

A cada dia me descubro outra - não sei se melhor ou pior - às vezes uma coisa, outras vezes outra.

o casamento não é um fim e sim o início. Talvez por isto as pessoas não comentem sobre, já que é diferente para cada um.

Beijos

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