O QUE VOCÊ PODE DESAPRENDER COM ISSO? >> ALLYNE FIORENTINO
As narrativas cotidianas terminam assim: “e foi isso”. É a frase de encerramento típica para uma coisa que não precisa de explicação. Ela se explica por si só, ou, pelo menos, é o que costumávamos fazer. Mas o silêncio pós-causo está em extinção.
Esse silêncio que herdamos do tempo reflexivo preenchido pelo gole de café ou da baforada de um cigarro de palha olhando o horizonte. Um silêncio caipira... silêncio de Cerrado, entremeado por um calor de queimar as ideias, mas que abrandava tudo que ameaçava ser urgente. Agora vivemos constantemente ameaçados pela lepidez das coisas. É uma constante luta para não sucumbir a essa urgência desmesurada, essa célere quebradora de silêncios. E antes, por fim, soltava-se um: “é...” acompanhado de um suspiro profundo de quem guarda a sabedoria para si próprio na intenção de cozinhá-la por um tempo e, quem sabe, servi-la mais preparada, mais encorpada um dia. Sem pressa. Sem saber se vai mesmo usar aquilo.
A interpretação das coisas é um trabalho moroso... Mas hoje é comum que ela venha no combo: “assista a um filme e ganhe uma interpretação grátis!” Ou “leia um livro e ganhe a interpretação de brinde!”. Antes mesmo de saber o assunto, você já sabe que vai “entendê-lo” porque nada que os comentários de postagens e as análises de Youtube e os textos de opinião não poderão te fazer “entender”. Você não duvida que vai entender. E a dúvida é exatamente aquilo que te separa de um tolo. A certeza é o fast food da vida e todo mundo sabe que um McDonalds é um veneno que você consome com celeridade e culpa.
Os textos virais intitulados “O que podemos aprender com isso?” extrapolaram as páginas do LinkedIn, mas a gente sabe que é um texto que já nasce morto, porque ele simplesmente quer dizer: “o que eu aprendi e o que eu quero que você tome como verdade”. No fim é tudo sobre “eu” e sobre “verdade”. Essa pedagogia ilusória que rege as redes sociais em que a pretensa verdade vence por maioria de votos. É tanta “verdade”, tanta interpretação, tanta lição de moral que alguns já até reclamam a pura e simples “fruição”. Claro que ninguém saiu escrevendo esse termo nas redes sociais, eles nem sequer sabem que existe um termo pra isso. Mas quando eles dizem: “agora não se pode nem mais ver um filme sem ter que ficar vendo mil postagens sobre o que se aprende com ele”, na verdade eles querem dizer: “dê-me meu café e meu cigarrinho de palha e me deixe em paz aqui matutando no meu silêncio sobre o que os meus olhos ainda não entenderam.
E é isso.
__________________
Imagem: Freepik.
.png)


Comentários