FOFUCHO >> Sergio Geia
O cartório em absoluto silêncio.
Era tanto, que se ouviam estalar de dedos, respirações profundas, suspiros suspeitos e passarinhos cantando. Se todos apurassem os ouvidos, seria possível ouvir até o desfile suave de nuvens no céu.
Atendia-a como sempre faço, com cordialidade e educação. Depois de consultas no meu computador, digitei o teor do documento que ela tanto esperava. Em poucos minutos, o silêncio de que falei era rasgado pelo ruído da impressão e seu desejo estava materializado numa simples folha amarela de papel reciclado, a que os burocratas de plantão dão o nome de certidão.
Entreguei o documento e, muito simpática, ela agradeceu com essas palavrinhas mágicas:
— Já ficou pronta? Nossa, que rápido, querido! Você é um fofucho, viu? Obrigada!
E saiu saltitante, feliz da vida, de posse de um simples documento.
Eu também saí, não tão saltitante assim, e voltei para a minha cadeira, envolto no mesmo silêncio, agora, digamos, preocupante.
Você aí, se for esperta (o), já deve estar pensando no que veio depois.
O som, na verdade — fofucho; fofucho; fofucho — ainda retumbava pelas paredes da secretaria, também conhecida como “minha mente”. Como uma bolinha de pingue-pongue, ou aquele esporte muito parecido com tênis, que é executado entre quatro paredes (squash?), ele ia e voltava, ia e voltava — fofucho; fofucho; fofucho.
Não demorou muito para o primeiro colega se manifestar:
— Fofucho?
Logo outros se juntaram, e então, a palavrinha mágica começou a ir e vir, seguida de risos e gargalhadas.
Sem nenhuma pressa, pois nessas situações a experiência me indicava que nada do que eu falasse naquele momento daria jeito, ainda assim tentei silenciar o ambiente com minha sagacidade cinquentona:
— Pois é. Ao que parece, ela se encantou. Garanto que não foi comigo; mas com a certidão.
Não adiantou minha boa resposta. Até hoje sou lembrado. Não esquecem de mim. Menos ela, que há tempos não aparece.
P.S.: 1. Não pretendia escrever. Sequer passava pela minha cabeça. Não enxergava uma possibilidade real de alguma coisa nessa história bobinha de que fui testemunha. Mas a insistência de colegas foi tanta, que sucumbi. Outro dia, sentado na frente de minha ferramenta de trabalho, um possante notebook que de possante não tem mais nada, depois de anos de ferrenho trabalho, deixei-me instrumentalizar. E no fim, saiu isso. 2. A crônica faz parte do projeto “Crônica de um ontem” e foi publicada originalmente no Crônica do Dia, em abril de 2019. 3. Ilustração: Marcia Tette Lopes Silva.


Comentários