ROSA >> Ana Raja


Ainda me lembro de Rosa. De menina oprimida pelo pai à bailarina de cabaré. Morávamos na mesma rua. Nossas mães davam aulas de catequese na igreja, nesses dias eu ficava mais próximo da menina observadora e de pouca fala. A amizade vingou entre nós. 

Rosa era luz, benfazeja com os animais. Quando os encontrava, tinha em suas mãos carinho para ofertar e alguma ração para acalmar o terror da fome daqueles anjos.

A nossa amizade se misturou ao amor do corpo, da cumplicidade, dos sonhos e, por fim, o rompimento do que seria eterno. Rosa não cabia naquela cidade, não combinava com os planos do pai e nem com os meus.

A menina das aulas de catequese e das brincadeiras, nunca mais eu vi. O paradeiro de Rosa se desfez feito fumaça rala que desaparece diante dos olhos incrédulos de quem sente amor.

Achei que morreria sem ver Rosa. Isso me fez andar arrastado, escuro por dentro, quebrado de ossos. Um pouco antes da minha doença se agravar, fui acompanhar um primo advogado no Sul do País. Ele trabalhava em uma causa difícil, onde outros profissionais já haviam desistido. A missão do meu primo era retirar uma moradora de uma casa que, já havia perdido em todas as instâncias da lei e se recusava a entregar o imóvel.  

Quando passamos pela porta da sala, senti um perfume familiar. Na cozinha, sentada na cadeira em uma mesa de quatro lugares, uma senhora magra, sem brilho. Dizia palavras incoerentes. Seu olhar atravessado encontrou os meus. Diante de mim, Rosa, queixosa da vida e de si. 

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Este texto faz parte do Crônica de um ontem e foi publicada originalmente em  de fevereiro de 2023. 

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