O COBRADOR DE SOLEDADE >> ANDRÉ FERRER
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| IMAGEM: Gemini |
Trabalha na linha Soledade-Flores da Cunha. O uniforme cinza aperta o pescoço. O ônibus no asfalto quente. Ele estica o braço. Fura. Devolve o bilhete. O metal deixa um cheiro de Singer nos dedos. O relógio vai ao ritmo do cansaço.
Os passageiros entram. Rostos mudos. Olhos fixos no nada. Ele clica. O som do ferro é seco. Um estalo por corpo acomodado, que puxa as cortinas porque o sol bate, lá fora, no vidro e queima o braço do incauto. Senta-se. Conta cliques vazios enquanto observa um banhado. Divide o mundo, aquele charco, e quem sobe e mostra o bilhete e se acomoda; e quem desce quando é a hora e desaparece para, talvez, nunca mais; tudo divide o tempo corrosivo. A estrada é o próprio cetim negro do destino com inscrições em amarelo.
Ele não vai. Ele para à beira do colchão. Sem alívio, mas também sem bilhetes, bagagem ou queixas de gente estranha. O cansaço encontra o descanso e o metal, a pele suada. Um pequeno buraco na têmpora e, na terra (antes ou depois do banhado), um buraco sob medida.



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