GOTAS DE DEZEMBRO >> Sergio Geia

 


Vou à varanda levando um livro entre as mãos: O diabo na corte, de Frei Betto — você tem alguma ideia do porquê desse título? Comprei na FLIART 2025, em Taubaté. Após vê-lo falar, entrei na fila de autógrafos. Ele escreveu: Sergio, muita fome de justiça e um abraço. Amém! 
 
Deixo o livro num banco e fico olhando o céu, apenas olhando, como uma criança deitada na calçada em plena infância. Branco gelo. Nem um pedacinho azul, nem um esboço, uma linha, um desenho que indique o formato de nuvens que eu sei que estão lá, pois chove. Eu gosto de nuvens. É bom vê-las passando. Não faz frio. 
 
No prédio da frente, um apartamento com a varanda aberta. Curioso, espio. Não há movimentos. Do lado de fora, as luzinhas de Natal contornam a porta e ainda estão acesas. Não conheço os moradores. Não sei se é família grande, se é casal, ou apenas um sujeito solitário. 
 
 Eu gosto de minha varanda, mas esse gosto, sinto, não é compartilhado por muitos. Raramente vejo alguém sem fazer nada, assim como eu, agora. São cinco prédios à minha frente. Cinco prédios que me entregam uma boa visão de suas varandas. Não há ninguém. Tudo bem, hoje é domingo, são 7h47min. No entanto, em outros dias e horários, nada, nunca. 
 
Dezembro chegou. Quando ele aparece, além do Natal, traz consigo a ideia de fim de ano, e uma certa melancolia, apesar das festas. A sensação de que a vida escorre pelas nossas mãos parece se reforçar nesta época do ano. 
 
A missa terminou, vejo. Na calçada, surgem pessoas, boa parte sem guarda-chuva. Olha o Osni, um velho amigo, ele volta da missa com um sujeito, não mudou quase nada. De repente, não vejo, sinto. E o que sinto é um vento gelado, e percebo que a manhã esfriou. A temperatura que era amena, de chofre, caiu. Faz frio, agora. Sem ao menos abrir o livro, volto para a minha sala. 
 
Quero escrever sobre o Natal, o encerramento do ano, mas nada me vem. O que anda a me cutucar mesmo por dias inteiros são sinos de igreja. E é sobre eles que me sento à minha mesa de trabalho e escrevo. O Natal fica pra depois, faltam dias ainda. 
 
Depois de uma hora, retorno à sacada. Vejo um sujeito magro com um gorro de Noel e um crachá no pescoço atravessando a rua. Ele me encara. Eu desvio o olhar. No apartamento aberto, enfim gente. É um homem, um homem sem camisa, deve ter uns 30, um pouco mais, está na frente da televisão e, ao que parece, joga videogame. A garoa continua, vai ser assim o dia inteiro, bem Natal. 
 
Outro dia repostei no Instagram uma fala do Pedro Cardoso, o ator. Um comentário com viés de esquerda, afinado em muitos pontos — não todos, com o que penso. O reel deu uma bombada, com acessos superiores aos que normalmente tenho. Centenas de curtidas e compartilhamentos de gente que nunca vi na vida; mas os comentários, ah, os comentários… Se você lesse sentiria a mesma náusea tonteante que senti. Burrice, tolice, dá o seu carro pra mim, e fdp foram os mais suaves. Percebi que a esquerda curtiu e compartilhou; a direita conservadora desceu o pau. Tudo bem, a internet é terra de ninguém, já era esperado, mas até membro de academia de letras, fã de um ex-governante das trevas, foi ofensivo. A discussão de ideias cede lugar à ofensa mais pura, pobre e rasteira. Mas é Natal, época de abraços e beijinhos, de presentinhos e ajuda aos desvalidos. Epa! Desvalido? Vão falar que é adjetivo de esquerda. Oremos. 
 
Dei uma espiada no Folha Vadia e descobri que estou aqui há 11 anos. Minha primeira crônica, A primeira crônica, foi publicada em junho de 2014. Pois nesses 11 anos só tenho a agradecer a vocês pelas leituras, comentários e pitacos. E agradecer também a Allyne Fiorentino, Jander Minesso, Ana Raja, Albir, Alfonsina Salomão, Clara Braga, André Ferrer, Soraya Jordão, Carla Dias, Whisner Fraga, Nádia Coldebella, Paulo Meireles Barguil, Zoraya Cesar, por fazer desta página uma lindeza. 2025 foi duro, mas bacana. 
 
Em novembro vi Oasis de perto no Morumbi (sem s mesmo), coisa que achava impossível. Ressurreição pura. Liam e Noel entraram juntos, abraçaram-se e até beijo rolou. Quando começaram com Hello, e depois Acquiesce, eu surtei, era só cerveja pra cima. Sozinhos os irmãos são ótimos. Juntos, não há adjetivos para expressar a experiência de vê-los no palco. Catártica? Talvez. 
 
Apesar de minha gastrite e esofagite, espero tomar umas para comemorar 2025. E cachacinha não pode faltar. 
 
Que venha 2026. Que seja lindo para você; pra nós. 
 
 
 
P.S: Nas próximas duas quinzenas, este espaço publicará crônicas não inéditas do Geia (Crônicas de um ontem). Ele voltará com as inéditas em 24/01/2026. 
 
Ilustração: Pixabay

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