TU VENS, TU VENS >> Carla Dias >>
Sei de nada. Todos os livros que li não me prepararam para isso. Todas as conversas que escutei, quando criança, escondida atrás da porta ou enfiada debaixo da mesa, em nada me ajudaram. Nem mesmo as rezas, tampouco as promessas, quanto menos as figurinhas dos chicletes ou as mensagens estampadas nas caixas de chá de camomila.
Problema nenhum em assumir: sei de nada. Na minha ignorância, mergulham tempos que não sei determinar no quando, mas posso garantir que são memoráveis. Sei de nada, mas a minha memória até que se assanha. Saberia de algo? Ou seria apenas uma lembrança que peguei emprestada?
Memória é um risco que corremos. Às vezes, lembranças se lançam a nossa percepção, voltam como se algum demônio inquilino tivesse sido atiçado, aquele que se mudou para dentro de nós, quando estávamos alheios à necessidade de sabermos um pouco mais, além do nada que nos era oferecido.
Talvez eu saiba um pouco...
Alguns livros que li falavam sobre isso. Algumas conversas que escutei, espantaram-me na infância, quando entendi o assunto com um assombro de quem enxerga o “pela primeira vez”. As rezas eram apenas cantos que me distraiam e eu pouco compreendia sobre o que vendiam, embora tenham cobrado caro. Tive de pagar com culpas. As figurinhas dos chicletes tinham lá sua serventia. Eram ótimos artigos para troca, ela que envolvia algumas gargalhadas, durante a negociação, sempre antecedendo o “é isso ou cai fora”. Sabe quantas vezes caí fora, nessa vida? Ah, que não foram muitas. Sei nada sobre cair fora. Eu fico, observo, aprendo, tudo para ter de aceitar, logo mais, que sei de nada.
Alguns livros que li falavam sobre isso. Algumas conversas que escutei, espantaram-me na infância, quando entendi o assunto com um assombro de quem enxerga o “pela primeira vez”. As rezas eram apenas cantos que me distraiam e eu pouco compreendia sobre o que vendiam, embora tenham cobrado caro. Tive de pagar com culpas. As figurinhas dos chicletes tinham lá sua serventia. Eram ótimos artigos para troca, ela que envolvia algumas gargalhadas, durante a negociação, sempre antecedendo o “é isso ou cai fora”. Sabe quantas vezes caí fora, nessa vida? Ah, que não foram muitas. Sei nada sobre cair fora. Eu fico, observo, aprendo, tudo para ter de aceitar, logo mais, que sei de nada.
Chá de camomila... Chá de camomila sempre foi bom. Colocava o demônio inquilino para dormir...
E as culpas...
E os medos...
E os desvios...
E os desalentos...
Não importa o que eu não sei, tampouco o que deveria saber. Não importa o dia terminar, sem que a noite traga com ela os mapas, as pistas, as dicas, o desvendar de segredos. Nem mesmo o violonista do ponto de ônibus... É a terceira vez que ele dá show, em duas semanas. Não tem plateia e me dá uma tristeza quando ele canta tu vens, tu vens/ eu já escuto os teus sinais.
Sei de nada sobre sinais. Mas a memória nos leva a viver em risco, o tempo todo. Debruçada na janela, noite chegando, ela engasga uma lembrança que me faz saber mais do que gostaria. E eu saio cantando tu vens, tu vens...
Imagem: Moonlit Garden © Frances MacDonald MacNair
carladias.com
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