SOLIDÃO >> Sergio Geia
Em tempos de prisão, sem poder sair de casa, ir às compras, comer um pastel, ou caminhar pela praça, não me resta tanta coisa assim para fazer. Na semana há o trabalho, sim, o trabalho; são muitas questões para decidir, processos que reclamam encaminhamento. Mas aí chega o fim de semana, e começo a planejar o que fazer para cobrir todas as horas vagas do meu ócio.
Pois nessa manhã de sábado, tomei o café, depois busquei inspiração em Braga, para escrever alguma coisa. Sim, um escritor precisa escrever, não pode parar, ainda que o planeta tenha estacionado seu caminhar, ainda que a matéria-prima esteja escassa. E quando a inspiração se encontra em um momento árido, vai sim ler outro escritor. Machado de Assis é ótimo para esses momentos. Braga, como sempre, não me faltou.
Escolhi uma crônica chamada “A que Partiu”, do livro 200 crônicas escolhidas. Crônica escolhida aleatoriamente, vejo o título, penso, o que será que ele vai dizer, me chama a atenção, vou. Lá pelo meio de “A que Partiu”, deparei-me com esse parágrafo que veio bem a calhar:
Não, sua presença para mim não tinha nenhuma importância; mas tenho horror de solidão, fome de criaturas, sou dessas pessoas fracas e tristes que precisam confessar, diante da autossuficiência e do conforto íntimo das outras: sim, eu preciso de pessoas; sim, tal como aquele personagem de não sei mais que comédia americana, I like people.
Descobri, pelas mãos de Braga, que também sou fraco e triste, que também preciso de pessoas, que tenho fome de criaturas. Descobri, pelas mãos de Braga, que depois de muito tempo, talvez uma vida inteira, sofro de solidão. Ela me aparece quando, por exemplo, desligo a televisão e o silêncio toma conta da casa. Quando apago as luzes, quando vou para o quarto, para o banheiro fazer a higiene, e fazendo esse caminho que faço tantas vezes ao dia, me bate uma coisa estranha, esquisita, um sentimento triste, e por vezes dá vontade de chorar. Deito, tento dormir, não sonhar.
Muitos romantizam a solidão, talvez até consigam encontrar nela um lado bom. Mas viver só não significa necessariamente viver em solidão. Como viver no meio de gente não significa necessariamente viver sem solidão. Mas agora, vivendo no olho da solidão, repilo essas manifestações romanescas, e digo que não é nada bom, nada bom.
Viver sozinho sempre me foi de um grande atrativo. Gosto. Aprecio os momentos só, de isolamento, de introspecção. Tenho o tempo só para mim, como aquela música do Chico, Sem você o tempo é todo meu. Posso até ver o futebol, ir ao museu, ou não. Passo o domingo olhando o mar, ondas que vêm, ondas que vão.
Mas até então não havia algo neste mundo que me obrigasse a ficar em casa sem poder sair, ir às compras, comer um pastel ou caminhar na praça. E ver gente, ver o mecanismo do mundo em seu bom funcionamento, abraçar, beijar amigos, saborear amores.
O tempo vai deixando uma lâmina de poeira na alma. Sinto que no tempo de hoje, a alma sufoca.
Comentários
Linda reflexão!
Fique bem, porque ela voltará a ser escolha.