FACEBOOK RAIZ >> Clara Braga

Escrever em porta de banheiro é algo que sempre existiu. Lembro bem do banheiro da escola, você ia lá fazer um xixi e ficava lendo as assinaturas das pessoas que, por algum motivo, levavam canetas ou liquidpaper no bolso quando precisavam utilizar o sanitário. Era uma chuva de *Marina_Linda*, =]Paulinha, Aninha-gata e Carolinda ;). Quando rolava briga uma ia lá para apagar o nome da outra. As mais ousadas riscavam o nome e escreviam algum xingamento, mas no geral era só apagar mesmo.

Às vezes, quando a porta ficava muito suja, a diretora tentava identificar as donas dos apelidos e ameaçava colocar para limpar, mas a desculpa era sempre a mesma: não fui eu que escrevi, alguém que foi lá e escreveu meu nome para me prejudicar. E assim os banheiros ficavam cada vez mais repletos de assinaturas.

Em tempos de Twitter imaginei que as portas haviam ficado esquecidas, mas em experiência recente descobri que elas apenas foram reinventadas. A porta do banheiro é o novo mural do Facebook e as regras de uso são basicamente as mesmas, levando em consideração apenas pequenas adaptações para suprir a falta de tecnologia do banheiro.

Pelo que observei, funciona mais ou menos assim: você entra no box e olha para a porta fechada a sua frente, naquele espaço vazio da porta imagine que tem a pergunta: no que você está pensando? Então, certifique-se de que levou um canetão e coloque para fora sua angústia, já que no banheiro não precisamos fingir estarmos sempre felizes.

Na ocasião que eu acompanhei no banheiro de uma universidade recentemente, a pessoa que usou fez um protesto, pediu que as mulheres fizessem xixi sentadas para não molhar o vaso. Uma pessoa que usou o mesmo box depois não gostou nada da colocação da primeira pessoa, deixando claro que os haters não são exclusividade do mundo virtual. Ela puxou uma seta, símbolo que no mundo do banheiro significa que ela está respondendo diretamente para aquela pessoa, ou seja, é a função do @ nos grupos do whatapp, e disse: não sento pelo mesmo motivo que não enfio a boca em bebedouros públicos, deixa de ser nojenta!

A primeira pessoa com certeza era frequente no banheiro, pois viu a resposta e não deixou barato, mesmo não tendo mais espaço na porta ela puxou uma nova seta para uma parte lateral e respondeu: sua burra, boca é diferente de bunda, tem mucosa!

Não sei se a outra pessoa respondeu depois pois não passei mais pelo banheiro, mas confesso ter ficado curiosa já que observei que as pessoas estavam se manifestando e tomando partido em uma briga que nunca saberemos quem são os envolvidos, já que no banheiro não dá para criar perfil. Para colocarem seus comentários as pessoas também puxaram setas e escreveram coisas como: apoiado! E para suprir a falta de emojis do mundo do banheiro usamos as onomatopeias, como fez uma pessoa que deve ter sentido falta das mãos batendo palmas e então escreveu clap, clap, clap.

Não imagino essa prática virando moda, as pessoas estão tão imediatistas que deve ser difícil segurar a emoção de esperar a hora que a pessoa vai ao banheiro, vê a resposta e escreve uma outra resposta. Esse processo deve levar alguns dias e até lá corre o risco das pessoas nem lembrarem mais pelo que estão brigando. De qualquer forma, sempre que preciso usar um banheiro público procuro mais desses diálogos para ver se eu consigo entender um pouco mais desse universo que eu decidi chamar de Facebook Raiz.


Essa crônica foi originalmente publicada no dia 25 de Setembro de 2018 e faz parte do projeto Crônica de um Ontem.

Comentários

Cristiana Moura disse…
Amei. Sou daqueles que, por vezes me demoro num banheiro público só para ler o máximo possível que eu puder daquele banheiro. esta tensão. Qual o lugar mais íntimo do casa? o que há de mais íntimo que ir ao banheiro? O banheiro quando se faz público parece carregar esta tens˜åo entre o público e o privado. eu não havia pensado nisto, mas parece que o facebook também, partilhas da vida íntima para o mundo ou só para os amigos, que seja, Mas que tem 1000 amigos? Adorei o título " Faceebook raiz".

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