LABIRINTO >> Carla Dias >>


No labirinto dele se esparramam especialidades diversas. Não gosta de compartilhar a intimidade deste espaço no qual apreciação e desconforto se misturam. Só que acontece de ele se sentir só ali, onde tudo se perde, do tempo ao fôlego. Naquele lugar onde ruelas dão em lugar nenhum e saídas são itens colecionáveis.

Ele não tem o que se faz necessário para integrar o hall dos colecionadores. Não de saídas.

No labirinto dele há de um tudo: canções esparramadas pelo caminho, cada uma atrelada a uma história por ele vivida. Não consegue se desfazer dessas tramas assanhadas pelas lembranças servidas pela canção da vez, ainda que, aos poucos, elas empoeirem da verdade e se embrenhem em invencionices. 

Às escondidas - às vezes escondendo o feito até de si mesmo -, ele dá um jeito de deleitar um ouvinte distraído com uma história da laia das desconstruídas. Porque, neste labirinto que (o) habita também vivem conexões que ele faz questão de manter na superficialidade, enquanto exige que o outro mergulhe, apenas para ficar observando o tal se debater, diante da ausência dele no próprio enredo. 

Aprecia ser provedor de vazios inconfessáveis.

Porém, o labirinto dele é dos que cobram preço alto para que seu hóspede goze das distâncias das quais necessita. Porque labirinto também é proteção organizada pela consciência de quem se atrapalha quando tem de prestar contas ao sentimento. Porque emoções desandadas criam desatinos devastadores de organização fundamental para que sobreviva a si mesmo.  

É que, apesar da negação, ele sabe que pouco sabe sobre o que não oferece saída. Teme não poder destrancar a porta e partir, quando lhe der na telha. É um ser assombrado pelo o que desconhece, até porque insiste em aprender de tudo um algo, e pela suntuosa indiferença que mantém, aquela que comanda a distância mais distante de todas.

Aquela que torna a vida insuportavelmente íntima do que o aflige.

Lembre-se: acontece de ele se sentir só, enquanto trafega pelas ruelas de seu labirinto decorado com desejados, mas em segredo. E daí que labirinto não oferece remanso. É de andar com suas crias, a tiracolo, aquelas histéricas tempestades, criadoras abusadas de confusão e de solidão não requisitada. 

Ele odeia solidão não requisitada. Acha de um atrevimento infame quando ela chega, a cara mais deslavada impossível. Prefere a que consegue domar, transformando-a em requintado item de ócio criativo.

Gosta de criar diálogos entre antagonistas. Nunca foi de torcer por usurpadores de discursos, não se dá bem com a conversa desovada em templos ou com comiserações. Nunca foi de torcer para quem seja. Apenas reúne a todos no quintal de seu labirinto e observa, a música no último volume, a história se desenrolar diante de seus olhos. 

Ele não escuta, mas o labirinto gargalha, reconhecendo a incapacidade dele de encontrar a saída. Ele que sonha em se tornar um colecionador de sucesso. Engana-se agindo como quem engana. Sofre, enquanto se mostra alheio ao que fere. 

O labirinto se orgulha dele e da sua teimosia em fazer de conta que tem certeza de que, dia desses, abrirá a porta e partirá, sem que tudo o que o mantém ali ecoe do lado de fora desse universo de portas trancadas, ruas sem saídas, emoções represadas.

Nessa falseada liberdade, ele se perde um pouco mais na própria companhia, bastando-se, como labirintos se bastam na inútil busca dos que ignoram a indisponível saída.

Imagem: Ulu's Pants © Leonora Carrington

Comentários

Zoraya Cesar disse…
"Naquele lugar onde ruelas dão em lugar nenhum e saídas são itens colecionáveis.
Nessa falseada liberdade, ele se perde um pouco mais na própria companhia, bastando-se, como labirintos se bastam na inútil busca dos que ignoram a indisponível saída."

Carla, eu nem sei dizer o quão espetacular é esse texto. Nem o quanto essas frases são arrasadoras. Seminais. Absolutas. Só me resta o silêncio e rezar para, um dia, eu conseguir sair do labirinto.
Carla Dias disse…
Zoraya, obrigada. Seus comentários sempre me tocam profundamente. Beijos.

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