UMA TARDE >> Whisner Fraga

mãe está de volta.

não sei onde estão meus irmãos: sei que não estão em casa.

estou na copa e a mesa é minha.

um mosquito afia a cabeça com as patas.

a poeira sobrevoa uma crina de sol.

um cão uiva longe, espantando a tarde que se descuida do tempo.

a vida é longa neste suspiro.

um bem-te-vi declama a liberdade.

o menino se assusta com as tarefas e só tem memória para o recreio.

da porta da cozinha escapa a imagem de folhas carunchosas da laranjeira.

escadas.

não gosto de recapitular coisas já sabidas, já amainadas.

a torneira vomita a cadência de pingos.

quero companhia, mas a mãe precisa descansar de nós.

abro o caderno e começo a escrever.

algum dia conseguirei escapar disso?

Comentários

Zoraya Cesar disse…
Me emocionou até os ossos, até a alma, até o não tenho palavras. De sua infinidade de escritos maravilhosos, esse é um dos que ficam na história. Perfeito. Se não entrar na antologia, farei um escândalo. Já reli 4 vezes.

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