O TEMPO É O TEMPO >> Carla Dias >>
Houve vez em que um mês inteiro aconteceu em um dia. Nele couberam tantas resoluções, tantos acontecimentos que pareciam impossíveis caberem em tão pouco tempo.
Couberam.
Foi um atropelamento de planejamentos, descarte geral do lógico, urgências em assuntos jamais tratados com a velocidade do desespero.
Um dia com as decisões de um mês inteiro... Nem ao inimigo se deseja tal arremate do tempo.
Então, veio o dia que se arrastou como se fosse um sem-fim. Em quantos anos ele se refestelaria, ébrio diante da ironia de se esticar até onde ninguém conseguiria decidir? A lentidão de seus segundos, nos quais cabiam absurdas reflexões, tão profundas, que os mergulhos por elas exigidos não ofereciam o tíquete de volta.
Emergir se tornou milagre da teimosia. A espera, um açoite do tempo.
Com certa brutalidade metafórica, mas nem por isso menos ferina, o tempo se envaidece da sua importância. Vive a se vestir de horas, de dias, de durações. O tempo nem sempre obedece ao próprio significado, ao menos não quando convidado ao palco da biografia dos que vivem a rever as suas manobras.
Muitos já tentaram tocá-lo, buscaram seus outros, escutaram sua cadência. Queriam entender do que afinal se tratava o tempo. Os calendários comprovam: temos de precisar o tempo para que não nos percamos nele. Porque ele é muito mais do que compreendemos, e alguns gênios já se dedicaram a explicá-lo. A nós, reles admiradores da genialidade deles, resta a compreensão de que ontem, hoje e amanhã são lugares moldados pelo tempo. Que haverá o momento em que hoje não sobreviverá ao amanhã; não se vergará ao ontem, não caberá em suas horas ou terá de ser preenchido, diante de sua quase vaziez.
O tempo é o tempo.
A nós, usuários do tempo, o melhor é aproveitá-lo, enquanto o aprendemos. E quando ele amiudar a sua duração – que algo em nós segue o ritmo da taquicardia – ou esticá-la sem qualquer timidez – de quando nos perdemos em nós mesmos –, devemos lembrar que o tempo não é velho ou novo.
O tempo é o tempo.
A nós, cabe não nos atermos às mudanças necessárias, de acordo com o que reza o calendário. Vai que sejamos felizes, nesse ano mesmo, e essa felicidade alcance o outro tempo. Qualquer um, não somente o novo ano. Vai que o tempo seja mais sábio do que temperamental, e sim um criador de oportunidades para não nos atermos aos seus nomes, a fim de nos tornarmos uma das suas biografias.
O tempo exige o que é de nossa responsabilidade (autoria?).
Nem sempre o tempo atende à burocracia dos prazos e ao factual do nosso nascimento e da nossa morte, às excentricidades da nossa zelosa rotina. O tempo existe sem a nossa permissão, mas ele também carrega a importância das nossas escolhas. Ele é um tudo que permite nos renovarmos, sem data marcada.
Celebrar calendário é válido, mas não espere para mudar o imprescindível, desfazer-se do desnecessário, aprender o que lhe desafia, compreender o diferente, aceitar o imutável no tempo que for.
Feliz tempo para todos.
Imagem: Harold Lloyd. Cena do filme “O Homem Mosca” (Safety Last! /1923).
carladias.com
Comentários
Que 2020 lhe cuide bem. Que você cuide bem de 2020. Beijos.
Albir, o tempo sempre me cutuca o questionamento. Acho o tempo de uma lindeza profunda e enigmática, e que, às vezes, ele banca o irônico e nos oferece uma prévia sobre como devemos nos responsabilizar pelo o como o vivemos.
Um ótimo 2020 pra você. Beijos.
Que venha a brisa...
Paulo, estamos todos ansiosos por essa brisa. Sim, que ela venha.
Branco, você será sempre bem-vindo para possíveis releituras.