MÃES TAMBÉM SÃO FILHAS >> Clara Braga

Outro dia, por indicação da minha mãe, assisti a um programa de entrevistas muito interessante. Nesse dia, dois conhecidos filósofos e um historiador tão conhecido quanto, falavam sobre o livro que lançaram juntos abordando um tema nada simples: felicidade.

A entrevista foi tão leve e descontraída que eu me peguei literalmente gargalhando em alguns momentos. Porém, devo confessar que em um momento bem específico fiquei um tanto emocionada e chorei. O assunto que mexeu comigo é um tanto óbvio: maternidade e felicidade. 

Uma das entrevistadoras falou sobre a questão do mundo criar a imagem da mãe como se ela vivesse no eterno paraíso da felicidade e que lá tudo é lindo, até mastite, cocô e birra. Então, o historiador comentou que de fato essa é uma questão histórica, mas que passou da hora de permitirmos e aceitarmos que o amor de mãe também tem limites e que em alguns momentos as mães têm vontade de não precisarem fazer as milhares de tarefas necessárias da maternidade, pois por trás dessa capa de mães super-heroínas que dão conta de tudo, existem mulheres estafadas que diariamente abrem mão das coisas que gostariam de fazer para atenderem às necessidades dos seus filhos e, às vezes, quando isso tudo se mistura com birras, choros e brigas, nós nos sentimos frustradas.

Chorei e não foi pouco, assistia à entrevista no celular com fone de ouvido enquanto meu filho dormia literalmente em cima da minha barriga pois não queria dormir sozinho e, por isso, eu não podia me mexer muito. Ouvir aquelas palavras foi reconfortante, foi uma espécie de permissão para que eu pudesse, além de curtir todos os momentos mágicos da maternidade e a sensação sem igual de estar com meu filho, me sentir cansada, frustrada e sem vontade de estar com meu filho 24horas por dia sem me sentir culpada. Parece bobagem, mas quando você não encontra pessoas com quem desabafar sem ouvir frases como “você está reclamando de barriga cheia, seu filho é muito tranquilo” que normalmente são ditas por pessoas que passam poucas horas com a criança, foi quase como se ele tivesse saído da tela e me dado um abraço.

O problema é que logo depois do abraço ele me deu também um soco bem na boca do estômago. Caiu uma ficha que nunca tinha caído: se eu me sinto assim, diversas vezes minha mãe também se sentiu assim por causa de atitudes minhas. Nesse momento meu mundo caiu, eu fui criada mesmo nessa sociedade que defende que amor de mãe é incondicional e aceitar que em alguns momentos minha mãe teve outros sentimentos em relação a mim que não foram amor eterno, doeu.

Bom, não preciso nem dizer que nesse mundo de culpa que é a maternidade, me senti culpada também por fazer minha mãe se sentir culpada. E agora estou pensando em mil formas de fazer com que meu filho só saiba de tudo que eu já senti em relação à ele quando ele for adulto e, de preferência, pai. Se ele descobrir antes, vou me sentir mais culpada ainda, se é que isso é possível.



Comentários

Sandra Modesto disse…
Clara, você é uma excelente cronista. Não gosto de classificar os gêneros literários, mas às vezes não tem jeito. Crônica é um texto do cotidiano. O que você faz com maestria.

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