a grande árvore >>> branco
ato final
se algum dia
- em uma de sua viagens -
você passar por esta - ainda - pequena cidade
pare por alguns instantes - desça do carro -
e dê uma olhada para a velha e grande árvore que existe
na única praça
desta -ainda - pequena cidade
existe uma certeza
não estarei sentado à sua sombra
existem duas certezas
ela guarda segredos que não serão conhecidos
e você saberá disso - se puder perceber -
a diferença entre gemidos
e farfalhar de folhas
uma pedra alojada
entre suas grossas raízes
nela eu costumava me sentar
para olhar o movimento
me esconder da chuva pesada
me proteger do sol - em tardes quentes de verão -
e quando com nada para fazer
simplesmente me deixava ficar
tantas coisas vividas
a mulher do raro sorriso
sentada no meio-fio
vendo seu filho pródigo ir embora
-sem sorriso - lágrimas nos olhos
e o tempo passa tão vagarosamente
que não percebemos seus sinais
tantas coisas imaginadas e não vividas
a casa azul deu lugar à um prédio
as casas vermelha
branca
verde
e a lilás
deram lugar à um pequeno shopping
a casa velha e em ruínas foi transformada
em - ironia - uma loja de antiguidades
as crianças - aquelas das bolinhas de vidro - cresceram
e se mudaram para uma cidade maior
- exceto um garoto idiota que ficou -
os velhos que ensinavam
e as mulheres em oração
mudaram-se para a eterna cidade
apenas lembranças e a pálida realidade
como as - agora - três solteironas
- herdeiras de reza -
que ainda cismam em vestir seus vestidos floridos
e vão com seus rosários
pedir intercessão
pedir pequenos milagres
pedir perdão
coisas simples
coisas felizes
bittersweet
o dia em que a seiva escorreu pelo grosso tronco
o dia em que a pedra entre suas raízes ficou vazia
os bem-te-vis estão procurando alimento no chão de cimento
para os seus filhotes escondidos entre os galhos
e entre os galhinhos a pena de um lendário - e morto - benteví
no canto
sem o canto
o desencanto
antes de ir embora - nesta sua rápida passagem -
desta - ainda - pequena cidade do interior
olhe com mais atenção para a terceira raiz
a direita da pedra encravada
e não estranhe se encontrar uma pequena marca
- eu
tão politicamente incorreto a fiz
com a ponta da minha caneta sem tinta
como um sinal de boas vindas para você viajante -
tire uma foto - se você quiser -
e o garoto que ficou
observa o mendigo de rosto tranquilo
que observa você
enquanto você observa
observa o mendigo de rosto tranquilo
que observa você
enquanto você observa
os homens e suas motosserras
que estão chegando
(cai o pano)
fotografia : web
artwork : sonnie
artwork : sonnie
Comentários
Você arrasou, crônica maravilhosa, me emocionei, saudades dos velhos tempos
e a conclusão só poderia ser esta: Brilhante e único.
Uma beleza.
(exijo que esses constem na nossa Antologia.)