O ELETRICISTA – 2ª e última parte >> Zoraya Cesar


Como essa é uma história com início, meio e fim, retomemos. Ou melhor, recomecemos. 

(RE)INÍCIO 
 Pois a morte do pai e a vinda do primo abriram um novo capítulo na vida de Seu Paulinho. Um novo capítulo que não começou muito bem. 

Mas, enfim, o famoso primo. D. Mercedes e a irmã deram início a uma campanha acirrada para que Seu Paulinho o empregasse. Dia e noite, madrugada adentro, até, as duas cascavéis atravessavam o terreno que separava as casas (ele fizera questão de se mudar quando o pai morreu), pra entoar sua cantilena choraminhosa e interminável (e-xa-ta-men-te como D. Mercedes fazia para enlouquecer o falecido marido). 

“É seu primo, um bom rapaz, só se meteu com os amigos errados, não custa nada ajudar”. E a tia “meu filho precisa de uma chance, tão meigo, tão sensível, foram os invejosos que estragaram a vida dele, você não pode ser egoísta, Paulinho!” As duas com a mesma voz aguda e pegajosa. Ele ia dormir e continuava a ouvir a arengagem. Não dormia, por conseguinte. (Igualzinho ao que ocorria com o pai.)

Fugir como? O dinheiro era bom mas não dava para voos mais longos - tudo o que ganhava reinvestia em cursos profissionalizantes, na empresa e no sustento da mãe, da tia e, agora, do primo.

Dissera rotundos ‘nãos’ de todas as formas possíveis. Mas D. Mercedes e a irmã eram profissionais, tinhosas e persistentes. O pai de Seu Paulinho não sucumbira à toa. Aquilo não era mãe, entristecia-se, era uma harpia, que preferia prejudicar o próprio filho em prol de uma irmã tão cretina e artimanhosa como ela e de um sobrinho safardana, bandidinho e cínico.

Temos o péssimo hábito de cobrar dos outros que sejam fortes e decididos. Que resistam bravamente. Mas, sejamos francos, nem sempre isso é possível. E como essa é uma história real, o fato é que água mole em pedra dura... não fura coisa alguma, mas às vezes desloca a pedra. Seu Paulinho cedeu. 

MEIO 
De como Seu Paulinho empregou o primo e, claro, imediatamente se arrependeu. 

Nosso amigo podia ser manso, mas não bobo. Antes de sair da casa do primeiro cliente ao qual levara o primo, abriu-lhe a bolsa e de lá retirou um objeto roubado. Felizmente, pôde devolver antes que o dono percebesse. Furibundo, convocou uma reunião em família, apenas para ser acusado de ter armado contra o primo, que alegava inocência e dizia não saber como o objeto caíra em sua bolsa. 

O pobre ainda deu-lhe uma segunda chance (e eu dizendo que ele não era bobo...). O primo era inteligente, aprendia rápido, quem sabe tomava gosto pelo trabalho honesto? Não que ele acreditasse nisso, mas, ... 

 AINDA O MEIO
...escondido dentro do peito, tão escondido que nem ele mesmo tinha consciência, o instinto de sobrevivência de Seu Paulinho arquitetava um plano de fuga. 

A Natureza faz de alguns predadores seres extremamente atraentes. Tão logo viu o primo de Seu Paulinho, a empregada de um dos clientes (rico, por sinal), embevecida por seus grandes olhos azuis, sorriso largo e manha sensual, passou-lhe todas as informações dos patrões. 

Seu Paulinho percebeu tudo e, quando o viu conversando furtivamente com os antigos parceiros de crime, não teve dúvidas. O assalto já estava sendo planejado. E ele seria, involuntariamente, cúmplice. Confrontado, o sujeitinho serenamente riu e disse “fica suave, primo. Depois dessa você não vai mais precisar me aturar. E ninguém vai desconfiar.”

Desesperou-se. Nunca se livraria do trio nefasto. Como o falecido pai, não conseguia resistir à pressão de D. Mercedes, mas não queria acabar como ele, nem perder seu maior capital: a confiança dos clientes. Aquilo não podia continuar.

Para Seu Paulinho,
só havia uma saída.
(E o plano de fuga saiu das sombras do inconsciente para a luz).

Perguntado se poderia ajudar com a parte elétrica da casa e do terreno, o primo aceitou, para impressionar a mãe e a tia. Um sedutor aproveita todas as oportunidades para exercer seu fascínio, e é aí que, eventualmente, abre-se uma porta para a derrocada. 

FIM 
Lembrando apenas que esse não é um conto de fadas. 

Não sei como aconteceu, de eletricidade nada entendo, mas o fato é que foi lindo. 

Morreram todos. 

O barulho foi ouvido a distância, um espoucar de seguidas pequenas explosões, como estalinhos de festa junina que demoram a pegar; a fumaça espiralada e escura subindo ao encontro do céu, levando almas para o infinito e além. O uó-uó-uó da ambulância, o vermelho-fogo da sirene a colorir a noite; os gritos dos vizinhos; o plástico preto a cobrir corpos, sinal indefectível da presença de D. Ceifadora... Morreram todos. 

Todos, menos Seu Paulinho, que escapou com queimaduras generalizadas mas leves. 

Foi lindo e cinematográfico, quem viu não esqueceu. (E, secretamente, congratulou o Acaso, que levou embora três pessoas detestáveis e malignas e poupou o boa gente Seu Paulinho). 

FINAL DO FINAL 
Porque toda saga acaba um dia. 

Flores de
fios e cabos elétricos,
feitas à mão.
Uma  homenagem
ao velho e amado pai.
A polícia concluiu por imperícia do primo e todos os vizinhos corroboraram a história de que o talzinho era metido a fazer coisas que não eram de sua alçada.

Seu Paulinho saiu do hospital como um homem livre. Livre de suspeitas. Livre da mãe, da tia e do primo. Livre, forçoso dizer, pois essa é uma história realista e não um conto de fadas, de qualquer sentimento de culpa.

Como última cena, vemos Seu Paulinho no cemitério, ajoelhado frente ao túmulo do pai, depositando um estranho buquê de flores feitas de fios e cabos elétricos, murmurando, emocionado,“obrigado por tudo, pai. Pode descansar em paz. Você foi vingado.”




imagem caveira - 
skull-3022014_960_720

buquê de flores de fios 
Image from page 20 of _Barnard's florists' wholesale list … _ Flickr

Comentários

Érica disse…
Kkk eu ri muito .. e não me senti nem um pouquinho culpada, como seu Paulinho. Adorei o buquê de fios hahaha.
Gente, quanta presença de espírito! Kkk
Ah, Seu Paulinho, que dureza... eu entendo o seu lado, mas se eu fosse o Senhor tomava cuidado, tem uns agentes da Lei que sacam tudo de assassinatos perfeitos...
branco disse…
muito bom, mais que muito bom... se a narrativa (principalmente na 1ª parte), me fez lembrar stanislaw ponte preta, essa segunda, não sei o motivo (me fez lembra o filme "cliente morto não paga". intencionalmente tentando ser noir, (mas com um pezinho na leveza) e a sirene uó,uó, uó, de onde saiu isso dona moça cronista obrigatória? muito bom, melhor que muito bom, melhor que muito muito bom. descobri uma nova faceta sua....
Anônimo disse…
Caramba, 3 defuntos de uma vez só! Disse para voce que nao achava legal ele matar a mae, vai ter que prestar contas por isso, apesar de ter se livrado da justiça terrena! Umas sessoes de eletrochoque na mae e na tia resolveriam as coisas e ainda estaria dentro do contexto elétrico! Quanto ao primo, já estava devendo e muito, portanto nao acredito que o Paulinho vai ser condenado por devolver o cara para o inferno (mesmo sob protestos do capeta, que nao deve ter ficado satisfeito com a "devoluçao"). E para variar nao rolou nada sobre as transas do primo com a empregada! Assim nao pode, assim nao dá!
Marcio disse…
Eu não sei o que concluir.
Seu Paulinho é tão bom eletricista que conseguiu controlar os ferimentos autoimpostos, de modo a disfarçar a autoria dos homicídios?
Ou é um desastrado que não conseguiu sair incólume de seu próprio plano de vingança?
Na primeira hipótese, Seu Paulinho é melhor em que função: eletricista ou assassino?
Márcia Bessa disse…
Afinal seu Paulinho não era uma pessoa tão do bem assim. Acho que vai ter que prestar contas desse "deslize". Final surpreendente !! Gostei !
Cristiana Moura disse…
Uau!
De embriagada e aturdida que estou, nem consigo comentar.
Escreva para sempre, sempre...
Zoraya Cesar disse…
Érica - agora vc até me assustou. Acho q estou te contaminando. Vc era uma pessoa menos afeita a vinganças redentoras kkkkk

Ana Lu - ahhh, vc está falando do nosso querido Felipe Espada, né? Ele voltará em breve.

branco, Lord White - nem sei como expressar minha alegria e encantamento!

Anônimo - (nem tão anônimo assim...) hahahaha, a devolução pelo Capeta foi ótimo! Até me deu uma ideia. Esse é um blog família, desista de ler cenas picantes por aqui. E não vejo onde sessões de eletrochoque possam ser coisas boas...

Márcio - vc levantou questões interessantes. Creio q posso respondê-las (mas só quem sabe de verdade é Seu Paulinho). Ele se saiu mto bem como eletricista e como assassino. Na 1a parte revelei que a eletricidade e ele eram amigos de nascença. Creio q ele preparou tudo de forma a afastar suspeitas. Enfim...

Márcia - pessoas são entes complexos. Até onde sei, Seu Paulinho era pessoa boa sim. Todos nós carregamos um monstro escondido. Tipo Hulk, q só se revela qd somos ameaçados. Talvez esse o caso de Seu Paulinho.

Cris Moura - puxa, q lindo! Obrigada!

A todos, mil obrigadas pelo carinho e comentários!
Albir disse…
Você faz a gente pecar. Comemorei a chacina!

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