O MARTELO DO BEM - Quarta parte >> Albir José Inácio da Silva
(Continuação de 23/09/2019)
Não porque tivesse pecado muito,
pelo contrário, foi coisa de adolescente, mas deixou marcas profundas. E fez
com que ela se aprofundasse no assunto. Como já não pecava, especializou-se no
pecado alheio.
MARIA DA PENHA
Para a mãe, os tios e os
vizinhos, Zé Maria era egoísta, bruto e controlador, que transformava num
inferno a vida de todos e principalmente a da filha. Mas para Penha não era bem
assim. Ela via um pai dedicado e protetor, disposto a ficar descalço e usar
roupa velha para que não lhe faltasse nada.
A menina achava que ele estava
sempre certo, não ousava discordar e muito menos discutir. Aceitava como
inevitável que a acompanhasse até a escola e sabia que estaria lá na hora da
saída. Nem à igreja ela podia ir sozinha. Desprezado por todos, ele se refugiava
no amor da filha.
Quando ela completou catorze
anos, apareceu por lá, em férias na casa dos avós, um moleque ruivo e cheio de
espinhas, vindo das profundezas dos infernos cariocas, que se engraçou por
Maria da Penha.
No que considera hoje o seu tempo
de fraquezas, não adiantou a vigilância paterna e ela engravidou do “enviado de
satanás para lhe arrebatar a alma” - conforme classificou mais tarde.
Depois de ameaças do Zé Maria e
do Sargento Damião ao corruptor, realizou-se na delegacia um casamento sem
festa, sem vestido e sem alegria. Penha acreditou que assim atenuava o pecado.
Na manhã seguinte, entretanto, o
moleque tinha sumido da cidade e não houve quem o encontrasse nem no Rio de
Janeiro.
Se afastarmos a questão moral,
teremos de admitir que o diabo quando faz é no capricho. Zé Maria não suportou a humilhação de ter uma
filha desonrada e abandonada, e agora um neto para alimentar, teve um infarto e
morreu.
Penha, em choque com a morte do
pai, abortou. Espontaneamente, segundo o médico, mas ela não acreditou. O
cabelo vermelho, antes de fugir, tinha-a convencido a tomar um chá que a
livraria do incômodo.
O mundo acabou pra Maria da
Penha. Além do pecado da fornicação, carregava na alma a culpa de duas mortes.
A do pai, a quem considerava ter matado de desgosto, e a do inocente, de quem
tentara se livrar para esconder sua vergonha.
Mas quando tudo está perdido,
resta a fé. Penha não saía mais da igreja e participava de todas as atividades.
Missa, quermesse, catequese, limpeza e flores no altar. Confessava-se
quase todos os dias e pedia a Padre Antônio penitências mais pesadas a ver se aliviava
sua consciência.
Não quis mais saber de homem,
embora tenha sonhado com filhos durante toda a infância. Mas estava conformada, não merecia ser
mãe. Essa punição a redimia.
Padre Antônio, que a princípio
era todo ouvido às confissões e lamentos, começou a se cansar de tanta
santidade porque ela agora se achava no direito de exigir reprimendas e
punições para outros fiéis.
O sacerdote desconfiou que aquela
devoção toda não surgiu por vocação, mas como fruto de um remorso, que duras
penitências, orações e jejuns não conseguiam aplacar. Quem nunca se perdoou não
podia perdoar os outros.
Ela, por sua vez, que antes
venerava o padre como a um santo, já o percebia condescendente demais com o
pecado que a olhos vistos tomava conta da cidade. “Padre frouxo”, dizia pra
quem quisesse ouvir. O discurso de amor e perdão que antes a extasiava, agora
lhe dava gastura.
Mas a gota d’água veio quando ela
confirmou um escândalo que antes considerava fofoca. Viu Padre Antônio agarrado
numa sirigaita, que também não saía da Igreja e trazia tanto lanche que ele já
estava barrigudo. Isso já era demais.
(Continua em 15 dias)
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