E O FUTURO? >> Clara Braga

Lá estava eu, sentada a beira mar. Minha maior preocupação era escolher entre comer um queijo coalho na brasa ou um picolé de limão. Enquanto pensava que talvez o picolé fosse mais adequado ao clima quente fui abordada por uma moça que parecia ser uma cigana. Primeiro perguntou se eu gostaria de ler a sorte. Como nunca fui muito sortuda, rapidamente disse que não. Ela não se deu por vencida e foi mais enfática, não perguntou nada apenas me pediu que virasse a palma da mão para ela ver meu futuro. Fiquei sem graça e voltei a dizer que não tinha interesse.

Enquanto isso acontecia muito rapidamente, observei que a senhora na barraca da frente também havia sido abordada por outra cigana. A diferença é que ela não parecia muito surpresa, foi logo dizendo que não queria pois achava isso tudo uma besteira, que a moça podia se retirar pois ela não gostava nem um pouco dessa conversa de ler mão.

A cigana pareceu se ofender e se afastou rogando praga, não me lembro exatamente o que ela disse, mas lembro bem que me assustei com a forma raivosa com que ela dizia enquanto olhava bem para a senhora que a havia dispensado. Enquanto isso vi que a moça que havia me abordado ainda estava ao meu lado, e dessa vez praticamente me deu uma ordem: vire a mão!

Eu, que estava ali há apenas um dia, me escondendo embaixo da barraca com o auxílio de uma canga, tentando não demonstrar a falta de costume de estar de biquíni em meio a tantas pessoas já que em Brasília biquíni não é um traje que eu use frequentemente, acompanhada do meu marido e filho, ou seja, expondo tudo que há de mais íntimo em mim, me senti invadida pela palma da minha mão.

Cheguei a achar engraçado, nunca me preocupei em esconder a palma da minha mão, mas observei que estava com a mão o mais fechada que podia. Ao mesmo tempo, não queria ofender a moça, não tenho absolutamente nada contra quem lê mãos e quem gosta de ter a mão lida, pelo contrário, já tive minha fase de ler tudo que podia ser lido e a maior lição que tirei disso tudo foi que nada supera o agora. Vou soar extremamente clichê, mas se não sei do futuro é porque ainda não é hora de saber, se eu viver intensamente o que tenho para viver agora não tem como meu futuro ser ruim. Pode ser difícil, vai ter seus altos e baixos, mas o que faz meu futuro é meu presente. Sorri, agradeci e novamente expliquei que naquele momento não tinha interesse.

A moça pareceu entender, não disse mais nada e foi se afastando. Nos outros dias que fiquei ali elas voltaram a passar, sempre me abordavam, sempre três tentativas, eu sempre agradecia e sorria com a palma da mão para baixo. Mas o engraçado mesmo é que fiquei tão preocupada em garantir que a palma da mão estava para baixo que esqueci completamente da toalha que escondia a barriga, não posso dizer que não foi um tanto libertador o que ela acabou fazendo por mim.

Comentários

Cristiana Moura disse…
Aí eu penso: a vida pode ser perfeita!
Eu vi o futuro, ele é passado, diz a canção do Marcelo Nova. Boa crônica. Parabéns. Indico para todos do Crônica do Dia o filme Rio Cigano, um interessante trabalho de reconstrução da questão identitária dos ciganos. Gostei também da tua epifania em relação ao teu corpo. Parabéns mais uma vez.
Carla Dias disse…
Acho que nem as ciganas imaginaram que a ajudariam de alguma forma. Não sem fazer o trabalho delas e receber por ele. :)
Albir disse…
Uma lição sobre o cuidado que devemos ter ao lidar com os que acreditam naquilo que não acreditamos ou oferecem coisas que não queremos ter.

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