A primeira fake news da vida de Ana chegou quando ela devia ter três, quatro anos: – Menina, não aponta o dedo pro céu pra contar estrela que vai nascer verruga – era a vizinha quem dizia. Isso foi terrível, primeiro porque ela não queria ter verruga nos dedos, depois porque amava contar estrelas. E ela tinha contado muitas estrelas aquele dia. Junto com a filha da vizinha. Foi dormir e o sono não foi tranquilo. Estava muito preocupada com a quantidade de verrugas que iriam nascer nos seus dedos. – Será que vai ser uma verruga para cada estrela? – pensou no meio da noite, desatando a chorar. Felizmente em seus dedos nenhuma verruga nasceu. Alguns dias depois, percebeu que os dedos da filha da vizinha estavam infestados de bolinhas estranhas. Anos mais tarde, Ana descobriu que isso era comum em crianças ansiosas, o que fazia todo o sentido em se tratando da filha da vizinha, que tinha uma mãe como aquela. Ana cresceu e passou a subir escondida no telhado da casa. Gostava
Eu o encontrava em caminhadas, nos esbarrávamos, ele me dava bom-dia e seguia. Alto, cabeça erguida como um general, cavanhaque austero, seguia com o corpo reto, sem qualquer menção de querer dobrar o tronco à frente, num desalinho esquisito. A voz sempre empostada, os passos sempre largos, ajustados, parecia daqueles homens acostumados a atividade física, a longos quilômetros de corrida, a inalcançáveis horas de abdominais e polichinelos. Um militar, sem dúvida. Talvez aposentado, mas militar. Sempre tive comigo essa vaga impressão, mas outro dia veio a surpresa. No facebook , um culto transmitido ao vivo. No alto de seu púlpito, vestindo uma camisa polo listrada de azul e branco, a voz sempre empostada, meu companheiro de caminhadas falava a seus seguidores sobre Jesus e Pedro, e a controvérsia teleológica sobre o verdadeiro fundador da igreja. É um pastor, pensei. Não tive ainda a oportunidade de comentar com uma tia que frequenta a mesma igreja sobre o fato, mas out
Conceição cogitava: será que é permitido mostrar os pés em público? Sabia que quem usava véu, além de cobrir os cabelos, tapava também braços e pernas. Mas e os pés? Na mesquita ela tirava os sapatos antes de subir no tapete pra rezar, mas era diferente... lá estava entre mulheres. Os homens rezavam no tapete em frente, a uns bons metros de distância, e jamais se retornavam para observá-las. É verdade que não havia muitas pessoas na orla. O dia estava nublado e o restante do grupo estava no calçadão, caminhando contra a intolerância religiosa. Pouco antes ela tinha observado, curiosa, alguns homens deixarem a multidão e se dirigirem para a água. Percebendo a interrogação nos seus olhos, Samira, carioca filha de sírios, lhe explicou que eles foram fazer as abluções para rezar, pois já estava quase na hora do zênite. Conceição ficou observando o bando de longe, pensativa, alheia ao alvoroço dos manifestantes. Além dos muçulmanos, estavam ali representantes de todas as religiões que se se
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