CINQUENTEI >> Sergio Geia
Devo estar ficando velho. A começar pelos hábitos. Ando adorando ouvir jazz. Até gravei um pen drive com velhos sucessos, Miles Davis, Chet Baker, Bill Evans. Pretendo aumentar a lista, quem sabe Keith Jarrett, Thelonious Monk. E digo que pouca coisa é melhor que ouvir um jazz, uísque no copo, fechar os olhos. Talvez ouvir jazz em casa seja coisa de velho.
A bebida hoje encontra limite. E o limite é o dia seguinte. Pode se beber a vontade, cerveja, cachaça, uísque, rir à toa, contar histórias. Tudo isso é bom. Mas o dia seguinte sempre chega; e cobra. Com medo do dia seguinte, me cerceio na vontade de continuar a beber; uma agressão, sem dúvida. E também cuido de beber água, muita água, litros de. Isso deve ser coisa de velho que não aguenta mais longas noitadas; de velho medroso que tem medo do dia seguinte.
Dias atrás cinquentei. Pois é. Ouvi muito isso dos amigos, Sergio, querido, você cinquentou; parabéns! Honestamente, não conhecia o verbo. O que consola é que meus amigos de Municipal também cinquentaram, e eu os vejo sempre, numa mesa de bar, olho no olho. Assim, juntos bebemos e cinquentamos. Dênis não. Disse orgulhoso que faz quarenta e nove este ano. Pobre Dênis. Não conhece o prazer de cinquentar.
Certa vez me lembrava de uma conversa no ônibus que presenciara, no auge de meus vinte e poucos anos. Fulano estava com pressão alta; o outro sofria de diabetes. Trocavam figurinhas sobre doenças mútuas. Falavam de um bom médico, de remédios milagrosos, chás, do amigo que teve câncer e não aguentou. Pois agora noto que o filme se repete comigo. Devo estar mesmo ficando velho.
Até os estranhos sentem cheiro da velhice no ar quando você passa. No mundo virtual, pelo jeito, também. Veja: ando recebendo e-mails de planos de saúde me oferecendo condições fantásticas. Não peço nem nunca pedi, portanto, nem respondo. Aliás, nem abro. Mas por que tamanha insistência? Decerto porque acham que estou velho.
O pior? A caixa de e-mails na aba quarentena. Outro dia descobri. Veja isso: “A disfunção erétil tem solução”; e nessa linha eles seguem: “O mais eficiente afrodisíaco natural”; e: “Novo produto para satisfazer sua parceira”, e: “Faça amor durante horas com muito mais qualidade”, “Reative a sua vida sexual turbinando seus prazeres”, “Acabe de vez com a falta de desejo”, “Volte a fazer muito amor, ganhe qualidade e potência”, “Volte a ser viril e saudável na cama” e por aí vai.
Como o destinatário de tão entusiasmados e-mails sou eu, decerto o remetente deve imaginar que tenho disfunção erétil, que não satisfaço minha parceira, que não tenho vontade de fazer sexo, que nem potência mais tenho, que preciso turbinar meus prazeres. Decerto imagine que cinquentei, que estou ficando velho, que não sirvo mais pra nada.
Talvez ele tenha razão.
Para minha sorte, em parte, registre-se.
Comentários
Espero compartilhar o meu cinquentenário contigo também.
Gratidão por tão belas crônicas.
Um forte abraço meu amigo!
Ótima crônica!