TORRE DE PINDORAMA - I >> Albir José Inácio da Silva
A Assembleia
Ventos moralistas que varrem o
planeta chegaram ao condomínio pacato no Bairro de Fátima e invadiram a sonolenta
assembleia para eleição do síndico. Ou melhor, reeleição.
- Com licença, Seu Vandiro!
Viemos aqui dizer que acabou esse negócio de recondução, de candidato único!
Esse prédio está uma vergonha! Entra quem quer, vende-se de um tudo, funcionários
preguiçosos, inquilinos suspeitos, livros que ninguém vê, notas que desaparecem,
contratos superfaturados.
O síndico precisou puxar do bolso
um comprimido e colocar debaixo da língua, tamanho o susto. Aqueles invasores
eram seus parceiros na administração do prédio, com e sem cargo.
- Mas o que é isso, Jaimito?!
Minhas contas foram aprovadas pela comissão. O reverendo, que está aí junto com
você, faz parte da comissão. E, apesar da maledicência, nunca provaram nada
contra mim! O que aconteceu com vocês?
- A gente tentou ajudar, mas não
sabia dos absurdos, fraudes e desvios. Sem falar do ambiente moralmente
irrespirável deste prédio. Acreditamos na sua boa-fé para fazer as mudanças que
o condomínio precisa, mas descobrimos que o senhor tem sido conivente.
Com isso Vandiro não contava. Uma
devassa nas constas ia dar ruim. Ainda mais sem os seus parceiros que agora
resolveram traí-lo.
- Vocês sempre aprovaram a nossa
administração, sempre participaram, sempre foram amigos! E nunca reclamaram dos
moradores. O que houve? Algumas pessoas são pobres, fazem seus trabalhos,
vendem seus produtos. E é com isso que vivem, pagam as contas, o condomínio. Você
mesmo, Leirós, faz aqui os seus rolos e ninguém nunca te incomodou por isso!
- É diferente! Meus negócios
sempre foram lícitos. Forneci pro condomínio durante anos e ninguém tem nada que
dizer de mim. As coisas têm que mudar. Até cheiro de maconha a gente sente quando
passa em frente a certas portas.
O discurso moralizante arrancou apupos
da plateia, que despertou na obrigação de apoiar.
- Tá uma vergonha mesmo! –
levantou-se uma voz feminina lá do fundo da sala. Era Vanesse, uma manicure de
quem se cochichava que só fazia unhas de homem, o que obviamente era mentira, uma vez que muitas
mulheres também a visitavam.
- Eu não queria falar nada, mas
do jeito que tá não pode continuar. E Seu Jaimito parece mesmo homem de fé, de
tradição, de família e de propriedade. Tudo o que este condomínio anda
precisando. – dessa vez quem falou foi Seu Tonho. Dele fofocavam que trouxe do
Norte uma menina de 15 anos pra cuidar da mãe, mas a mãe não precisa de nenhum
cuidado, e ele não deixa ninguém olhar pra garota que já quer arrumar confusão,
nem permite a criatura botar os pés na rua.
Todos ali tinham pequenos ou
grandes delitos, gatos, roubo de sinal, contrabando, visitas proibidas, mas
todos se sentiram no dever de apoiar a guinada moral pelos bons costumes. Um
observador atento diria que quanto mais pecados tivesse o condômino, mais alto
bradava contra a imoralidade.
Percebendo que tinha perdido o
controle da situação, Vandiro apelou para o estatuto:
- Bem, se vão concorrer precisam
formalizar de acordo com o regulamento. Fica marcada a próxima assembleia para
a primeira segunda-feira do próximo mês. Quem quiser concorrer que se inscreva.
Dou por encerrada a sessão, lavre-se a ata.
Quase todos cercaram Jaimito,
Leirós e o Reverendo, elogiando o discurso de mudança, as denúncias de sem-vengonhices
e o combate aos infratores. Alguns, entre apoios e receios, explicavam suas
condutas e confessavam pequenos deslizes, reafirmando a intenção de que não
mais acontecessem, na esperança de que a confissão os absolvesse.
Tudo indicava que, embora a
eleição não tivesse acontecido ainda, o poder havia trocado de mãos.
(Continua em 15 dias)
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