ABRINDO O CADERNO AZUL >> Sergio Geia
Tem muita bobagem que não serve pra
nada. Corrijo. Serve sim, pois me serviu em algum momento da vida. Talvez não
sirva pra você, ou talvez você ache mesmo tudo uma grande bobagem. Ou, talvez,
como a mim me serviu um dia e me ajudou a ser o que sou, também possa servir
pra você; hoje. Ou, quem sabe, um dia.
Olhai os Lírios do Campo é um dos mais
bonitos títulos da literatura brasileira. Tenho uma coleção do Veríssimo.
Clarissa, O Tempo e o Vento, O Senhor Embaixador, Música ao Longe, mas foi em
Olhai os Lírios do Campo que garimpei coisas como “Tinha uma cara inexpressiva,
dois olhos apagados e um ar de resignação quase bovino” (quantos você não
conhece assim?), ou “Antes de Mussolini e de Stalin, já existiam as estrelas e
depois que eles tiverem passado elas ainda continuarão a brilhar”, ou “A morte
pode ser um sono sem sonhos ou então a vida é o sonho da morte” (uma das minhas
preferidas).
Em Helena, obra machadiana de 76,
registrei: “Há amores que crescem na ausência e diminuem na presença” (que
verdade!), ou “A prece é a escada misteriosa de Jacó: por ela sobem os
pensamentos ao céu; por ela descem as divinas consolações”. Duas ideias realmente verdadeiras se a gente
pensar um pouco na força da oração, e no “amor” de muitos.
Quando tenho problemas na vida, sempre
me vem à cabeça Lya Luft, em Perdas e Danos: “É tragédia ou é apenas
chateação?”. Quase sempre é chateação, e tudo fica mais fácil de resolver. Quando
fico pensando na vida, no passar do tempo, lembro que “Viver deveria ser
transformar-se”, e que “Amadurecer deveria ser requintar-se na busca da
simplicidade”. A simplicidade, depois de Lya, se tornou o meu norte. A
simplicidade é o requinte do espírito. Não gosto de “A feira começa cheia de
flores e frutas perfumadas e termina com lama de restos de peixe a feder. Assim
é o amor”, de Fernanda Young, em Vergonha dos Pés, embora, em muitos casos, a
coisa seja exatamente assim. Eu ainda sinto o cheiro das frutas perfumadas.
Gosto da poesia de “Flocos de seda branca corriam pelo azul-turquesa do céu de
verão”, de Oscar Wilde, em O retrato de Dorian Gray, um livro que é um
monumento.
Em Quincas Borba tem uma frase
deliciosa que sempre uso em momentos específicos, um deles, por exemplo, outro
dia, quando o Palmeiras perdeu pro Corinthians: “Às vezes o que parece desgraça
é felicidade”. Pois digo que o contrário
também é verdadeiro: “Às vezes o que parece felicidade é desgraça.” Dois
exemplos. A Isabelle Drummond queria ser a Narizinho, mas decorou o texto
errado e acabou virando a Emília. Graças à boneca sua vida profissional seguiu
um rumo que, talvez, tivesse sido diferente caso virasse a Narizinho. Ela mesma
tem essa impressão. Quantos casos a imprensa já noticiou de tragédias na vida
de ganhadores da Mega-Sena?
Agora, somente Clarice é capaz de dizer
certas coisas, como esta em Perto do Coração Selvagem: “Perco a consciência,
mas não importa, encontro a maior serenidade na alucinação. É curioso como não
sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho
medo de dizer, porque no momento que tento falar não só não exprimo o que sinto
como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que
me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo”.
E estas, ditas numa entrevista para o
programa Panorama, da TV Cultura, em 77: “Eu não sou uma profissional, eu só
escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo
amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever
ou com relação ao outro; eu faço questão de não ser uma profissional para
manter minha liberdade”, “Tenho períodos de produção intensa e hiatos em que a
vida se torna intolerável”, “O adulto é triste e solitário”, “Quando não
escrevo eu estou morta”.
Maravilhoso, não?
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