BICHOS >> Albir José Inácio da Silva

Alguns tinham nomes como Barrosa e Veluda - vacas sagradas e paparicadas por todos. Até vizinhos deixavam seus afazeres para tangê-las de volta ou pelo menos dizer onde estavam.

Cavalos também tinham nomes e eram tratados como filhos, quase avatares de seus donos. Mais que filhos – dizia meu pai, referindo-se a alguns vizinhos e querendo enfatizar que para ele só os filhos importavam. De qualquer modo, nosso potro Russinho tinha sua ração diária de afagos, banhos e toalete.

Cabritos não tinham nomes, mas eram ajudados nos partos e nas doenças. Cães a um tempo protegiam e reprimiam essa espécie, como policiais.

Os cães tinham nomes, mas não mereciam atenção maior que serem chamados por esses nomes, o que já era distinção num mundo de anônimos. Alguns se destacavam pela bravura, recebiam elogios e até um carinho displicente.

Gatos eram batizados pelas crianças, mas os adultos continuavam a chamá-los de gatos. A eles era permitido estar ali como se não estivessem.

Diferentemente de outros bichos, cães e gatos se reproduziam espontaneamente, sem interferências ou ajudas, com a sorte que a natureza lhes reservasse.

Galinhas e patos não mereciam nomes, mas mereciam ser contados, separados e alimentados.

Havia outros, como coelhos e codornas, que existiam um tempo depois desapareciam para dar lugar a outra novidade animal.

Eu olhava os bichos e não entendia a divisão de classes e a distinção de tratamento, perdido ainda no comunismo infantil.

Não compreendia as leis da economia. Inocente e incrédulo, não respeitava nem reconhecia a divindade do Mercado.

Anarquista e contestador mirim, eu desconsiderava a ordem, a hierarquia, o mérito, a cotação e a utilidade.

Ante a minha perplexidade com as diferenças, uma tia perguntou:

- E tu come cachorro?

Continuei confuso. Eu amava pessoas, bichos e coisas que jamais comeria.

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