AS MUSAS E O RELOJOEIRO >> André Ferrer
Tanta
festa para as musas: seus caprichos e seu trabalho de obsedar o escritor! Se
não bastassem os rótulos de todo o sempre: o escritor é solitário, “gauche”,
espião dos deuses... Uma bobagem despropositada! A não ser, claro, que o
amadorismo baste.
Escrita
é um trabalho tão lógico quanto compor músicas. Redigir textos e partituras
depende de planejamento e trabalho. Nenhuma entidade virá de outra dimensão a
fim de salvar o artista bloqueado. Então, não há mágica? Para o autor, jamais.
A mágica só deve existir para quem lê o romance ou para quem escuta a sinfonia.
"Apolo e as musas", autor desconhecido |
Muitos
escritores relatam o bloqueio criativo. Fazem a dança das musas ao redor de uma
fogueira em que ardem as queixas e os lamentos. Tudo porque não passam de uns crédulos.
Envergam diuturnamente uma roupa que deveria ser exibida nos salões e despida
em casa. Um adereço tão removível quanto um casaco, um cachecol, uma bota.
Eles, contudo, nunca tiram as suas túnicas extravagantes. Adequadas para o
cumprimento das obrigações sociais diante de um oráculo fictício, mas incômodas
para o labor verdadeiro.
A
mistificação não atrapalha desde que fique lá fora. Um pouco de “mise en scène” até pode ajudar no local e no momento
adequado. Perigoso é quando um escritor, um músico, enfim, um artista, de tão
crédulo, torna-se escravo do mito da inspiração. Na escrivaninha (que não é
altar, mas bancada de oficina), ou o escritor se torna um relojoeiro metódico e
persistente ou continua a amargar bloqueios criativos.
Comentários