MÁGUINO >> Albir José Inácio da Silva
O primeiro telefonema não foi
difícil porque era previsto em lei. E Máguino encheu-se de dignidade:
— Senhor! O meu constitucional
telefonema, por obséquio!
Sempre achou que os adjetivos
devem preceder os substantivos, como no inglês, porque fica mais distinto. E,
apesar da angústia , distinção ele ainda mantinha.
Demorou muito, mas veio o
telefone e um detetive para fiscalizar-lhe a comunicação. Máguino não tinha o
que esconder e foi logo cobrando providências, com intimidade e firmeza próprias
de um orgulhoso acadêmico de direito:
— Pedro, venha rápido! Esclarece
logo isto, que tá ficando desagradável!
Mas depois de alguns minutos já
implorava:
— Dr. Pedro, o senhor disse que era
meu amigo! Faz alguma coisa, o senhor conhece tanta gente importante. Se
quiser, com um telefonema resolve isso. Diga-lhes de quem é a mercadoria,
mostre os documentos.
Há duas horas tinha sido tirado
do seio da família, algemado, sob o olhar divertido dos vizinhos invejosos do
seu sucesso e rápida ascensão social.
Ao contrário de muitos emergentes
que buscam esconder o passado, Máguino contava com orgulho a sua história. Seus
planos futuros incluem até ministrar sessões de coaching para inspiração de novos empreendedores. Vinha de baixo,
como costumava dizer, mas nunca se conformou com a sorte. A demissão do emprego
de muitos anos foi a sacudidela que precisava para começar as mudanças, e ele não
refugou.
Mas, agora, aquele contratempo.
A prisão foi um susto, mas
surpresa mesmo era o comportamento do Dr. Pedro Labac. Nem parecia aquela
pessoa com quem tinha contratado dias atrás, e de quem tinha ouvido coisas
amáveis sobre a sua competência e espírito empreendedor. Logo o Dr. Pedro, que
cumprimentava os empregados e tomava cafezinho no refeitório como se fosse uma
pessoa comum. Foi uma decepção. Mas o Dr. Simão, o outro irmão e sócio, não lhe
ia faltar numa hora dessas.
Sempre gostou mais do Dr. Simão
Labac, via naquela sisudez uma dignidade rara. Ao contrário do irmão, ele se
mantinha superior, mas nunca o viu maltratar ninguém. Tinha mais postura de
chefe. Máguino sempre achou que nos momentos difíceis, de crise, ele era mais
atuante. Por mais que ele parecesse ignorar os subalternos, na verdade só
mantinha a distância necessária à disciplina e à hierarquia. Ele saberia lidar
com aquele mal entendido.
Era simples — tinha ligado para a
pessoa errada.
— O senhor já fez a sua
constitucional ligação! — ironizou o policial.
— Autoridade, por favor, me
escute! O nervosismo me fez ligar pra pessoa errada. Conceda-me a gentileza de
mais um telefonema. É só o que eu preciso pra resolver esta confusão. Sou um cidadão
de bem, tenho amigos influentes. Se o senhor me ajudar, eu saberei ser
reconhecido e generoso.
O policial valorizava, não dizia
sim nem não. Máguino se esmerava, dramatizando o drama mesmo com algum prejuízo
da verossimilhança. Falou de pobrezas e humilhações, de determinação e
conquistas e do sucesso, que poderia ser de todos mas só alguns se esforçam o
suficiente.
Nos trinta anos de polícia, o Inspetor
Pedrada aprendeu uma coisa: não acreditar em presos, colegas, delegados,
secretários de segurança e governadores. Nem amigos e parentes. Nem estranhos.
No resto podia confiar, afirmava, embora reconhecesse alguma falha lógica na
sua “filosofia”.
Aquele sujeitinho com cara de
pobre usava sim camisa e relógio caros, que ele sabia reconhecer porque tinha
bom gosto, embora não os comprasse por motivos óbvios. O preso também usava termos
jurídicos e expressões metidas a besta, mas daí até ser uma pessoa distinta ia
uma distância muito grande. Por outro lado, acostumado a lidar com a bandidagem,
sabia que, às vezes, de onde não se espera é que vem.
Salário atrasado, contas vencidas
e mulher cobrando pensão, não custava nada arriscar. Trouxe o telefone.
(Continua em 15 dias)
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