BILHÕES >> Carla Dias >>
É assim o mundo. Bilhões de pessoas. Raramente, a maioria está na mesma
página do livro da vida. Assim, nascem guerras e grandes ideias. Despertam os menestréis,
os sábios, os artistas, os cientistas, os revolucionários... E os genocidas.
Ganha espaço o que há de pior, mas também o que se baseia no amor, mas não naquele
amor para emplacar comercial de televisão. Amor.
Aprendemos muito, quando nos dispomos a isso. Nós, parte dos bilhões. Há
quem coloque bilhões de dinheiros no bolso por conta de uma grande ideia, ou
uma ótima lábia. Ainda assim, e amém a isso, não existe quem coloque os bilhões
que somos, de uma só vez, no bolso, e a troco do que seja. Isso não significa
que não tentem. Diariamente, encontra-se uma forma – fórmula? – de nos manter
em um mesmo plano, como se fôssemos bibelôs de colecionador austero. Somos
mantidos o mais silentes e ignorantes possível – não se iluda, que seus gritos
não estão sendo ouvidos, e as palavras escritas em CAIXA ALTA espantam leitores.
Somos úteis quando servis, dóceis, ainda que – e principalmente por – nossa
humanidade seja castrada no processo.
Quando nos rebelamos, somos reduzidos às estatísticas, definidos pelo o
que não tivemos oportunidade de conquistar, celebrados como estorvo, reunidos
em um barracão de termos técnicos – de acordo com o tema recorrente – para o
abate. Então, nomeiam-nos “efeito colateral”, ou em termos ditos – erroneamente
– poéticos: sacrífico em nome de um bem maior.
Que bem pode ser maior do que a consciência de que somos bilhões, e de que
convivermos no mesmo planeta, apesar das nossas diferenças, é uma das coisas
mais difíceis e belas dessa vida?
Nós sabemos disso. Nós vivemos isso, e ainda assim, alguns tentam se
tornar o dono do mundo. O dono de nós, os bilhões.
Porém, é assim o mundo. Somos bilhões. Somos parte dessa roda que gira lá
com seus mistérios. Não devemos nos esquecer disso, porque acontece. Às vezes
nos fechamos em nossos próprios universos e temos a sensação de que somente
essa parte do mundo é ele todo. Melhor manter o diálogo para equilibrar as
diferenças de pensamento, mesmo cientes de que nem sempre isso será fácil.
A grande sacada está em aceitar que somos bilhões no planeta. Somos mais
de duzentos milhões, somente no nosso país. Não há como ser adepto do
absolutismo em um mundo onde somos um em bilhões. Lembre-se disso a cada vez
que esbravejar “tenho absoluta certeza de que...” ao precisar defender seu
ponto de vista. Fazê-lo é de direito e necessário, mas não daquele jeito que
não dá espaço ao outro para dizer “acho que não é bem assim...”, e até mesmo
mostrar que muitas certezas são bem maleáveis, e que nem sempre é assim.
Então, olhando para o mundo, pensando nessa condição, eu me sinto extasiada
com a diversidade de quem divide espaço com bilhões. Diversidade de ideias, de
crenças, de culturas, de percepções. Não importa se estou na sala de casa,
sozinha. Jamais deixarei de ser uma entre bilhões. Você será sempre um entre
bilhões.
Bilhões.
Lembre-se disso sempre que se sentir compelido a se comportar como dono do
mundo. Como senhor absoluto da verdade. É que pessoas gritando suas verdades,
construídas para unificar o que nasceu para ser plural, não dizem muito, apenas
conseguem que suas palavras ecoem em espaços vazios. Precisamos valorizar o
fato de que podemos defender as nossas ideologias, conquistamos esse direito,
então, devemos respeitá-lo. Porque há entre nós, bilhões de nós, aqueles que
ainda não podem fazê-lo.
Imagem © Jozz. Ilustração para capa do livro Estopim, de Carla Dias.
Comentários
Bom rodar nas suas palavras, Carla. :)