A MULHER DAS BANANAS >> Sergio Geia
Há uma mulher fazendo ginástica; utiliza-se, vez
ou outra, desses aparelhos primários instalados pela Prefeitura nas praças da
cidade, pra receber especialmente a velha guarda, mas que não discriminam
ninguém, principalmente quem queira cuidar da saúde. Enquanto movimenta as
pernas cansadas com melodiosa suavidade, come bananas; vejo que o ímpeto de
comer bananas é mais forte do que o ímpeto de mover as pernas; tem mais vigor
nos músculos mandibulares que trabalham avidamente triturando bananas, do que
nos músculos das pernas.
Os cabelos são brancos como guardanapos, fofos
como algodão; a epiderme do rosto possui vincos, o olhar meigo esconde o viver
de uma vida duradoura. Mesmo longeva na experiência do continuar, e mais
cansada do que em outros tempos, ela se dedica com imenso gosto à tarefa diária
de fazer exercícios, ao pedalar, à troca constante de aparelhos, ao sorriso com
ledice, ao comer de bananas.
A imagem é doce e me traz a vívida lembrança de minha
avó, saudosa Lourença (ou Lourenza, ou Laurença; avó de muitos netos e
múltiplos nomes), que ficava horas no muro de sua casa, na Professor Moreira,
olhando a saída da gurizada do Colégio Municipal; muitos que ali passavam
brincavam com ela, ou diziam “oi, vó, como está a senhora?”, demonstrando sincera
preocupação, ou ficavam conversando, trocando algumas palavrinhas, ou a beijavam
com carinho.
O quadro que temos até aqui, estimado leitor,
esse quadro doce e meigo, é bom e me acolhe com pureza nessa manhã escura; pois
espero que o acolha também. No entanto, ele se encerra com essa lembrança macia
de minha avó. Se gostou dele, se as imagens lhe fizeram bem, como fizeram a
mim, se lhe trouxe aquela calma gostosa de sentir, penso que deva parar por
aqui; fique com esse pedaço de doçura, com essa calmaria, e busque agora outra
distração, pois o que está por vir, talvez não lhe desperte a mesma qualidade
de sentimento.
Sempre termino as atividades com exercícios leves,
fazendo-os debaixo de uma árvore generosa que penso se tratar de um pau-brasil,
nas proximidades da aparelhagem rústica de que lhe falei há pouco. Pois outro
dia, enquanto alongava os braços, esticando-os verticalmente na direção de um
estupendo céu primaveril, eis que fui surpreendido pelo arremesso de um
estranho objeto amarelo que caiu dentro uma pequena caixa de concreto, por onde
passa uma velha fiação, ao pé da grande árvore.
Confesso que fiquei contrariado com desnecessário
e estúpido gesto, e vi, com o passar das semanas, que a comedora de bananas
tinha o horrendo hábito de atirar as cascas ao relento, na tosca caixa,
esquecendo-se de que na praça existem cestos de lixo. Outro dia, porém, me veio
à mente uma ideia, feliz ideia, que, de chofre, considerei-a excelente.
Como não gosto de confusão, resolvi simplesmente
instalar-me na frente da caixa, usando o espaço para me esticar e, ao mesmo
tempo, impedir o voo das cascas de bananas, conduta que teve resultado pra lá
de exitoso. Achei que havia resolvido a situação: chego para alongar e, se a
vejo triturando bananas, coloco-me à frente da pequena caixa; quando ela vê o
indivíduo em seu raio de ação se alongando, ela para um instante o exercício,
abandona o aparelho e se dirige calmamente até a lixeira; ponto para o Geia.
Acontece que dia desses, o Geia foi surpreendido no
braço por um peteleco grudento; olhou pra trás e viu a mulher com a cara mais amarela
que a banana; não resistiu:
“Ora bolas; mas por que a senhora não joga essa
coisa no lixo?”
Desconcertada, ela respondeu:
“Mas é lixo”.
Retrucou:
“Isso aqui? Lixo? Não! De jeito nenhum! Lá” — e
apontou; “olha lá quantas lixeiras”.
A coisa ficou por isso mesmo; ela não disse mais
nada, eu segui o meu caminho. Por sorte, na semana seguinte, a caixa apareceu
tampada, e ela, se exercitando sem bananas. Deve ter pensado: “Aquele
grosseirão deve ser da Prefeitura; mandou tapar a caixa”. Se pensou, fico feliz,
embora nada tenha a ver com o negócio. Mas, se perguntar, vou ratificar: “Sim,
sim, mandei fechar”, com a absoluta autoridade de um mandatário supremo.
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