VADE RETRO - FINAL >> Albir José Inácio da Silva

A palavra perdição provocou no menino um arrepio. Ele viu de novo as labaredas que costumava enxergar no olho do Padre Antônio, sempre que o reverendo falava dos horrores do inferno. Mas, com um empurrão do tio, acompanhou madame pelo corredor.

O maior quarto do Bordel tinha sido adaptado para a Rainha Catrina. Papel celofane vermelho cobria lâmpadas no teto e nas paredes.   A penumbra se acentuava pela fumaça que subia dos incensários. De um xis de tábuas na parede pendiam algemas para mãos e pés. Correntes desciam do teto. Chicotes, palmatórias, cordas e grampos estavam em cima da cama.

Quando os olhos de Genildo se acostumaram, ele viu Catrina no meio do quarto.  Botas vermelhas e brilhantes, meias vermelhas e transparentes que desapareciam no maiô de vinil vermelho e cintilante. Luvas vermelhas, chifres vermelhos e um rabo da mesma cor. A rainha, que segurava a ponta do rabo em forma de seta com a mão esquerda, estalou o chicote com a direita e deu uma gargalhada antes de dizer:

- Vem, meu garoto, vem! Você agora me pertence! – estalou de novo o chicote no ar e bateu os saltos no chão.

Coração disparado e pernas paralisadas, Genildo viu de novo o fogo nos olhos do padre. Com um grito, que assustou até uma Catrina acostumada a gritos e gemidos, atirou-se contra o vidro da janela. Quebrou telhas do galinheiro do vizinho e se esborrachou no meio das galinhas. O olhar assassino de um cão preto, a dois metros, não lhe deu tempo para a dor no tornozelo. Pulou a cerca, arranhando-se ainda mais, e ganhou a rua.

Mancava, corria e ouvia a perseguição a poucos metros. Não ousava olhar para trás, mas tinha certeza de ouvir os saltos da mulher vermelha. Às vezes eram cascos batendo no chão, e então de novo os saltos, e teve certeza de que a mulher virava diabo e virava mulher de novo. A praça ficava a um quilômetro, mas ele errou pelas ruas, tropeçou e caiu várias vezes antes de enxergar as luzes.

A família veio a pretexto de participar da Quermesse, mas queriam mesmo era acompanhar aquele momento delicado na vida de Genildo. Na frente da Matriz, a uma distância respeitosa, os adultos olhavam a conversa de Padre Antônio com o Bispo. As crianças brincavam por ali e compravam doces nas barracas.

Genésio chegou primeiro, exaltado, com a respiração difícil. Quando conseguiu falar, gaguejou:

- O menino... o menino fugiu!

- Fugiu pra onde? – quis saber Seu Rufino, furioso.

- Cadê o Genildo? – gritou Tia Tonha, arrependida já de apoiar aquela infâmia.

- Quebrou a janela do sobrado e sumiu! Vasculhei a vizinhança e nem sinal dele! – encolheu-se o tio.

- Eu vou te matar, Genésio! Onde tá meu filho? – ameaçou o fazendeiro, apalpando já o bolso da garrucha.

Quando Genésio se preparava pra apanhar, Genildo entrou na praça. Um frangalho em estado de choque que, desconsiderando o espanto da família, jogou-se aos pés do Padre Antônio, gemendo em versos o seu desespero:


- Seu Padre, o Senhor faz de mim o que quiser. Pode me mandar pro convento, que a partir deste momento, não quero mais saber de mulher.

Comentários

Zoraya disse…
Maravilha, Albir! Estava ansiosa pelo final e não perdi por esperar! Adorei
Anônimo disse…
Ótimo texto, parabéns ,retrata de maneira excepcional um assunto muito polemico por todo mundo por todas as idades e por todos os diferentes gostos.

A sociedade hoje em dia normalmente não sabe o que e realmente o amor ,aquele amor que te faz dar crises de risos!.A autora representa de maneira esplendida como o amor renova-se a cada dia.O mundo hoje em dia vive apenas amores platônicos e esquisitos , o verdadeiro amor só se encontra e textos como esse.
Caroline M A disse…
Achei a Crônica bastante interessante , pois o autor conseguiu criticar muito bem a questão das igrejas católicas colocarem relações sexuais como pecado e também a critica do padre ter feito tanto medo no garoto que no final ele quis ir para o seminário .
Albir disse…
Zoraya, obrigado sempre!


Caroline, obrigado pelo carinho de sua leitura. Volte sempre.

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