OUTROS (E PRÓXIMOS) CARNAVAIS
>> Sílvia Tibo


Certa vez me disseram que não há quem consiga se manter fiel por muito tempo a uma mesma fase da vida. Há períodos, por exemplo, em que tudo o que se quer é agito, balada, vida social intensa. Em outros, a prioridade é o crescimento profissional e financeiro e para atingi-lo trabalhamos incansavelmente, convencidos de que todo o resto é resto e, portanto, deve ser deixado em segundo plano. E há, ainda, aqueles em que só nos interessam boas noites de sono e tempo livre para fazer aquilo de que realmente gostamos, ainda que isso signifique ganhar um pouco menos no final do mês.

 
Humanos que somos, vivemos mesmo em um processo de mutação constante de sentimentos, preferências, valores e perspectivas, que se transformam de tempos em tempos, muitas vezes para a nossa própria estranheza e perplexidade.
 
Há poucos dias, senti na pele essa coisa toda acontecendo comigo.
 
O carnaval sempre esteve entre minhas festas prediletas. Nos tempos da faculdade, passava meses planejando o que faria e para onde iria entre a tão esperada sexta-feira e a quarta de cinzas, numa empolgação que, de tão grande, nem sei de onde vinha. Sequer cogitava a possibilidade de desperdiçar esses dias preciosos dentro de casa ou fazendo o programa que fosse na cidade onde moro.
 
As viagens, de preferência, deveriam ser para lugares que oferecessem, no mínimo, uma rodinha de samba, o barulhinho de um batuque ou um trio elétrico movido a música baiana. E se o destino escolhido, além de tudo isso, contasse com um pouco de sol, areia e água salgada (essa combinação irresistível para qualquer mineiro legítimo e que se preze), tanto melhor.
 
Devo dizer que passei carnavais deliciosos nesses lugares, com direito a abadás, shows assistidos de camarote e até um “tchauzinho” da Ivete Sangalo e da Claudinha Leite, direcionado à multidão, claro, mas que meu subconsciente, teimoso e cheio de si, jurava que havia sido dado exclusivamente pra mim.
 
Fui fiel a essa fase baladeira da vida por tantos anos que, realmente, achei que o compromisso entre mim e o carnaval fosse eterno e inabalável. Desses que não se desfazem ou sequer se estremecem ao longo do tempo, a despeito das tentações e novidades que a vida oferece.
 
Mas eis que, neste ano, traí o carnaval, esse meu velho e bom companheiro de longa data. A princípio, a situação foi estranha. Estava insegura sobre como seria, pela primeira vez, deixá-lo de lado, justamente no feriadão de fevereiro, única época do ano em que efetivamente nos encontramos. Para a minha surpresa, ao final, senti um prazer enorme em praticar essa infidelidade, que me proporcionou dias deliciosos, num lugar até então desconhecido e com companhias adoráveis.
 
Pra começar, dessa vez, eu (que usualmente já na quarta-feira de cinzas torcia e me programava para a chegada do carnaval seguinte), simplesmente me esqueci de sua existência. Assim, naturalmente, sem qualquer culpa ou dor na consciência. 
 
Pela primeira vez, não planejei ir a lugar algum durante o carnaval. Não pesquisei hotéis e pousadas para a hospedagem, não reservei passagens aéreas com meses de antecedência, não providenciei a compra de abadás ou passaportes para shows. E, pior, sequer me imaginei curtindo uns dias de praia, com uma cervejinha gelada a tiracolo e a garantia de renovação do bronzeado (que, aliás, andava - e anda - bem defasado).
 
Foi então que recebemos (meu quase marido e eu) um convite pra passar o carnaval em Brasília.
 
Embora eu tivesse total ciência de que a cidade não se incluía entre as mais “carnavalescas” do país, aceitamos prontamente o convite de nossos três adoráveis e animados anfitriões, convictos de que qualquer lugar e programa se tornariam agradáveis na companhia deles.
 
E, de fato, a recepção e a estadia na capital federal foram tão prazerosas que, durante os dias em que lá estivemos, sequer me lembrei de que estávamos em pleno feriado de carnaval.
 
Dessa vez, o som dos trios elétricos e o batuque dos tambores deram lugar a passeios por belas e verdes paisagens, por avenidas largas, planas e bem cuidadas, da Asa Norte ao Lago Sul, passando pela Terceira Ponte, com direito a tigela de açaí às margens do Paranoá, paradinha na Praça dos Três Poderes, caminhada pela Esplanada dos Ministérios e uma espiadela no Memorial JK. Entre um ponto de parada e outro, o privilégio de ver (pela primeira vez ao vivo) as muitas e estonteantes obras de arte deixadas por Oscar Niemeyer.
 
Ao final das visitas, uma pausa para o filme que estreara no cinema, outra para dar andamento à leitura do livro de cabeceira que andava abandonado por falta de tempo e, ainda, outras e outras paradas para simplesmente jogar conversa fora, sem pensar em nada. E até pra pegar naturalmente no sono, sem recorrer aos comprimidinhos dos quais me tornei refém nos últimos tempos. Ou às letrinhas miúdas das legendas dos canais de TV por assinatura (se bem me entendem os leitores da crônica anterior).
 
Não bastasse, almoço de despedida à base de tutu de feijão, arroz branco e costelinha, em plena segunda-feira, preparados por mãos carinhosas e no fogão de casa, em homenagem à nossa mineirice, de que, aliás, tanto nos orgulhamos.
 
Ao final, voamos de volta pra casa, onde a rotina nos esperava, afoita, já na quarta-feira após o meio-dia. E sentimos, então, o ano finalmente começar, satisfeitos, descansados e já com saudades das belezuras que vimos em Brasília e das pessoas queridas que por lá ficaram.
 
Não sei o que me espera em outros (e próximos) carnavais. Pode ser que eu tenha recaídas e não resista à tentação dos camarotes e trios elétricos, honrando o sangue baiano que, por herança materna, corre também (e felizmente) em minhas veias.
 
Mas o fato é que, a partir de agora, estou aberta a novas estratégias e possibilidades para o carnaval. Então, o máximo que poderei oferecer a esse meu velho companheiro, para os anos seguintes, é um relacionamento leve, sem cobranças e promessas de amor eterno. Como, aliás, devem mesmo ser os bons e verdadeiros relacionamentos.

Comentários

Muito bom, Sílvia. Brasília foi uma ótima escolha para estrear seu não-carnaval.
Unknown disse…
Foi sim, Edu!
Sempre bom rever conceitos e paradigmas, né?
Meu não-carnaval foi excepcional!
Grande abraço...
albir disse…
Principalmente com relação ao carnaval, mudanças e novas experiências sempre são elogiadas pelos que ousaram. É que a gente tem medo de experimentar. Muito boa sua crônica não-carnavalesca.
Unknown disse…
Obrigada pela leitura, Albir!
Sempre bom inovar mesmo, em todos os aspectos, inclusive no "carnavalesco".
Grande abraço!
Anônimo disse…
Adorei a crônica e a perspectiva diferente sobre o carnaval, Sil. Principalmente porque eu, em relação a essa específica fase tradicionalmente carnavalesca, sempre me mantive beeeem distante! rsrs

Lud.
Juraci disse…
Muito bacana! Parabéns! São assim mesmo as fases da vida e é bom que elas existam. Bjin. pai
Unknown disse…
Ei, Lud!
Pois é... eu, carnavalesca por natureza (filha de baiana e tudo o mais), dessa vez, acabei revendo os conceitos, meio sem querer, mas o fato é que funcionou e o resultado foi bom...
Vou provar da novidade outras vezes, garanto...
Grande beijo!
Unknown disse…
Pois é, pai!
Novidades são sempre bem vindas, não é? Até mesmo as ruins nos ensinam alguma coisa... Mas dessa vez a novidade foi das melhores, com passeios deliciosos e companhias adoráveis!
Obrigada pela leitura!
Beijo!

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