CONTO DE FADAS
POLITICAMENTE INCORRETO
[Cristiane Magalhães]
Fazíamos compras rotineiras numa noite dessas quando, entre uma prateleira e outra, vi um garoto levantar a camiseta e enfiar por debaixo do short uma barra grande de chocolate. A imagem que captei ao acaso se fixou em minha mente de forma irreparável e é esta lembrança que me guia enquanto escrevo este texto.
Alertei meu marido: “Um garoto acabou de esconder uma barra de chocolate debaixo da roupa”, contei atônita, esperando que ele, talvez, tivesse alguma noção do que fazer numa situação daquelas. Ele caminhou na direção que eu apontava discretamente com a cabeça e ainda viu o menino saindo distraidamente do supermercado. Olhamo-nos sem ação como se tivéssemos sido atingidos pela realidade tal qual um raio, certeiro e fatal.
Tínhamos sido testemunhas de um ato considerado imoral e reprovável diante de nossa sociedade. O que fazer numa situação daquela? Chamar o segurança do supermercado para dar um corretivo no garoto? Sermos, nós mesmos, os justiceiros e ter uma conversa sobre moralidade e decência com o guri? Ainda procurei aflita por uma câmera de segurança que estivesse ali por perto para me eximir da responsabilidade de ter sido apenas eu a testemunha da ação. Não encontrei nada visualmente ao alcance.
Na lembrança que não se esvai, há momentos em que a barra de chocolate se confunde com outra imagem sobreposta e o que vejo é o mesmo menino, mais crescido, esconder debaixo da roupa uma arma. No meu desespero mental, acompanho o seu movimento de querer levar consigo não uma barra de chocolate apenas, e sim o dinheiro das pessoas que podem comprar barras de chocolate e outras delícias mais, inacessíveis ao seu universo de menino pobre.
Numa organização social em que se convencionou separar aqueles que têm dinheiro, de um lado, daqueles que não têm, de outro, é natural que eu tema o menino pobre, negro, magrela que subtrai sorrateiramente uma barra de chocolate de um supermercado por não ter recursos financeiros para passar no caixa e pagar por ela, como fazem as pessoas “normais”, aquelas do primeiro grupo.
Fato é que não há nada natural nesta história. Nem o furto do menino, tampouco a minha inércia e o medo desproporcionais que foram desencadeados.
Fico pensando que, talvez, estejamos todos enclausurados na floresta, onde alguns se identificam com a Chapeuzinho Vermelho e outros com o Lobo Mau.
Cada qual buscando enlouquecidamente apenas uma maneira de sobreviver e de ser aceito entre os seus pares, já que o certo e o errado, o verdadeiro e o falso, o bom e o mau são apenas classificações abstratas que foram determinadas em algum momento dentro de um certo grupo.
Ao fim e ao cabo, Lobo ou Chapeuzinho, estamos todos correndo. A diferença é a motivação.
Alertei meu marido: “Um garoto acabou de esconder uma barra de chocolate debaixo da roupa”, contei atônita, esperando que ele, talvez, tivesse alguma noção do que fazer numa situação daquelas. Ele caminhou na direção que eu apontava discretamente com a cabeça e ainda viu o menino saindo distraidamente do supermercado. Olhamo-nos sem ação como se tivéssemos sido atingidos pela realidade tal qual um raio, certeiro e fatal.
Tínhamos sido testemunhas de um ato considerado imoral e reprovável diante de nossa sociedade. O que fazer numa situação daquela? Chamar o segurança do supermercado para dar um corretivo no garoto? Sermos, nós mesmos, os justiceiros e ter uma conversa sobre moralidade e decência com o guri? Ainda procurei aflita por uma câmera de segurança que estivesse ali por perto para me eximir da responsabilidade de ter sido apenas eu a testemunha da ação. Não encontrei nada visualmente ao alcance.
Na lembrança que não se esvai, há momentos em que a barra de chocolate se confunde com outra imagem sobreposta e o que vejo é o mesmo menino, mais crescido, esconder debaixo da roupa uma arma. No meu desespero mental, acompanho o seu movimento de querer levar consigo não uma barra de chocolate apenas, e sim o dinheiro das pessoas que podem comprar barras de chocolate e outras delícias mais, inacessíveis ao seu universo de menino pobre.
Numa organização social em que se convencionou separar aqueles que têm dinheiro, de um lado, daqueles que não têm, de outro, é natural que eu tema o menino pobre, negro, magrela que subtrai sorrateiramente uma barra de chocolate de um supermercado por não ter recursos financeiros para passar no caixa e pagar por ela, como fazem as pessoas “normais”, aquelas do primeiro grupo.
Fato é que não há nada natural nesta história. Nem o furto do menino, tampouco a minha inércia e o medo desproporcionais que foram desencadeados.
Fico pensando que, talvez, estejamos todos enclausurados na floresta, onde alguns se identificam com a Chapeuzinho Vermelho e outros com o Lobo Mau.
Cada qual buscando enlouquecidamente apenas uma maneira de sobreviver e de ser aceito entre os seus pares, já que o certo e o errado, o verdadeiro e o falso, o bom e o mau são apenas classificações abstratas que foram determinadas em algum momento dentro de um certo grupo.
Ao fim e ao cabo, Lobo ou Chapeuzinho, estamos todos correndo. A diferença é a motivação.
Comentários
Essa parte resume bem o contexto da crônica. MAs será que a motivação somos nós que escolhemos? A ocasião faz o ladrão? Talvez vc estivesse sendo observada pelas câmeras e suas ações impressionaram quem a estivesse vendo. E quem estava vendo a câmera estava sendo observado por uma quarta pessoa. Vocação? Motivação? Conspiração?
engraçado isso!
abnerlmesmo.blogspot.com